30.4.09

A Feira do Livro, por Jorge Silva Melo

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"Eu só gosto do Parque Eduardo VII em Maio, nunca lá vou noutra altura. Mas gosto de subir e de descer, sobretudo ao sábado e ao domingo, com gente que nunca vi nas livrarias, gente que mexe em livros, dicionários tantas vezes, livros do dia, livros mais baratos, gente, tanta gente, fico sempre com a sensação que há pessoas, que os livros servem as pessoas, que os editores são gente honesta que quer um mundo melhor, gosto de coleccionar os catálogos, de marcar com cruzinha os livros a comprar, de nem sequer comprar esses mas outros que me aparecem, esquecidos, de encontrar livros insuspeitos que nem sabia estarem editados, gosto de pedir autógrafos, há muitos anos foi lá que falei com a Maria Judite de Carvalho e lhe disse quanto a admirava, gosto de ver escritores sentados, gosto dos altifalantes a anunciarem escritores e descontos, gosto das farturas que ainda o ano passado engorduraram um livro de poesia acabadinho de comprar e até carote, não me tirem a rua dos livros ao sol, não me fechem a Feira do Livro, deixem-me, uma vez por ano, passear pelo Parque Eduardo VII de todos os jacarandás, ao cair da noite, pela fresca, deixem-me encontrar os amigos, são cada vez menos!, deixem-me queixar-me de já não ter dinheiro, nem espaço em casa para mais papelada, deixem-me voltar a casa com quilos de sacos, deixem-me a minha Feira do Livro onde ela é, é onde todos os anos eu respiro um mundo que talvez fosse maior, com mais gente, mais livros, histórias, poesias, gente a subir e a descer aos sábados à tarde, com tanto calor. E um dia gostava de filmar, porque não filmar a descoberta do amor entre um rapaz de uma barraquinha de livros em segunda mão e uma jovem escritora neurasténica, rapariga loira com as suas singularidades. Ou vice-versa, em Maio, no Parque Eduardo VII."
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[in Os Livros no Parque, livrinho a favor da feira no Parque Eduardo VII, editoras Afrontamento, Antígona, Assírio & Alvim, Climepsi, Cotovia, Meribérica-Liber, Relógio D’Água e Teorema, 2004]
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Foto roubada aqui.

29.4.09

Feira do Livro

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Abre amanhã a Feira do Livro de Lisboa, estando até 17 de Maio no Parque Eduardo VII, com o seguinte horário:
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2ª a 5ª Feira
Das 12h30 às 20h30
6ª e véspera de feriados
Das 12h30 às 23h00
Sábados
Das 11h00 às 23h00
Domingo
Das 11h00 às 22h00
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Pela primeira vez em muitos anos as alterações são de monta: novas datas, novos horários, novos pavilhões e novos espaços de apoio/restauração, entre outras.
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Relativamente aos novos pavilhões e espaços de apoio, as alterações parecem-me positivas.
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Quanto aos horários, a antecipação da hora de abertura é excelente, mas encerrar a feira às 20.30 nos dias de semana é uma triste ideia. Uma das coisas mais agradáveis da feira é precisamente o passeio nocturno que proporciona (agora só aos fins-de-semana).
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Quanto às novas datas, temo que antecipar a feira, aumentando consequentemente a probabilidade de haver dias com chuva e frio, possa servir de argumento aos que querem encaixotar a feira na FIL. É uma opção muitíssimo arriscada que seria bom repensar. Pelas suas características esta feira precisa de sol e calor e por isso quanto mais tarde se realizar melhor.
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Mais informações no site e no blog oficiais.

28.4.09

A estupidez do trabalho

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“– Por que são a um tal ponto desdenhosos? – perguntou Chloé. – Trabalhar não é coisa assim tão boa...
– Disseram-lhes que é bom – respondeu Colin. – Em geral costuma achar-se que é bom. Mas a verdade é que ninguém pensa assim. Trabalha-se por hábito, justamente para não pensarmos nisso.
– De qualquer forma, é idiota fazer um trabalho que pode ser feito pelas máquinas.
– É preciso construir máquinas – disse Colin. – Quem o fará?–
Oh! Claro! – disse Chloé. – Para fazer um ovo é preciso uma galinha, e uma vez que haja galinha podemos ter uma porção de ovos. Portanto, mais vale começar pela galinha.
– Seria preciso saber o que impede a construção das máquinas – disse Colin. – É, com certeza, falta de tempo. As pessoas perdem tempo a viver, por isso já lhes não sobra nenhum para trabalhar.
– Não será antes o contrário? – disse Chloé.
– Não – disse Colin. – Se tivessem tempo para construir máquinas, depois já não seria preciso fazer mais nada. O que eu quero dizer é que trabalham para viver, em vez de trabalharem para construir máquinas que iriam levá-los a viver sem trabalhar.
– É complicado – concluiu Chloé.
– Não – disse Colin. – É muito simples. A coisa deveria dar-se progressivamente, bem entendido. Mas perde-se tanto tempo a fazer coisas que se gastam...
– Não acreditas que gostassem mais de ficar em casa a dar beijos à mulher, de ir à piscina e a divertimentos?
– Não – disse Colin –, porque não pensam nisso.
– Mas será culpa deles, se pensam que trabalhar é bom?
– Não – disse Colin –, a culpa não é deles. Foi porque lhes disseram: «O trabalho é sagrado, é bom, é belo, é o que acima de tudo conta, e só os que trabalham têm direito a tudo.» Mas sucede que as coisas estão feitas para serem obrigados a trabalhar o tempo todo, e dessa forma não podem aproveitar o facto de terem trabalho.
– Serão afinal estúpidos? – disse Chloé.
– Sim, são estúpidos – disse Colin. – Por isso estão de acordo com quem lhes faz acreditar que o trabalho é o que há de melhor. Isto evita que reflictam e tentem progredir até não trabalhar.
– Falemos de outra coisa – disse Chloé. – São assuntos cansativos. Diz-me se gostas do meu cabelo...”
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[Boris Vian, in A Espuma dos Dias, frenesi, 1997]

25.4.09

23.4.09

Tristessa

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A Relógio D'Água continua (lentamente) a publicar Jack Kerouac. Chegou agora a vez do belíssimo Tristessa:
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"Escrito na Cidade do México em 1955 (a primeira parte) e em 1956 (a segunda), contando a história da sua paixão por uma toxicodependente (de seu verdadeiro nome Esperanza Villanueva), Tristessa era (na palavras do próprio) a obra preferida de Kerouac, ainda que ele estivesse bem ciente da predilecção dos seus fãs por Pela Estrada Fora. O texto foi manuscrito (e não escrito directamente à máquina, como Kerouac habitualmente fazia) em caderninhos de bolso que ele trazia sempre consigo, entremeado de desenhos e esboços, composto de jactos nas ruas e praças, nos bares e tabernas de má nota, mas, ainda assim, «imaculado, sem emendas», orgulhava-se ele de afirmar."
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[Paulo Faria (tradutor), no prefácio]

22.4.09

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"Meu caro: do cadáver de um homem livre pode sair acentuado mau cheiro; nunca sairá um escravo."
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[João César Monteiro, As Bodas de Deus]

20.4.09

O país onde o dinheiro compra tudo

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"O Paço do Duque mostrar-se-á novamente orgulhoso da sua herança, afirmando-se como uma notável ponte entre o Chiado de outros tempos e a Lisboa do século XXI."

[do site do empreendimento "Paço do Duque", na antiga sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso]

"Não sei quantos serão os endinheirados que ali se vão regalar a viver bem. Haverá certamente pois há sempre gente para tudo e mais alguma coisa. Até gente capaz de se sentir confortável olhando paredes onde já houve sangue espirrado de homens e mulheres sob tortura, comendo pancada, sem poderem dormir nem se sentarem durante dias ou semanas a fio só por não aceitarem uma ditadura que queria a todos com uma ideia só, a de obediência a Salazar, depois a Caetano. É certo que não vão ouvir agora gritos e urros dos antigos torturados. Nem os risos e os palavrões dos antigos pides, revezando-se nos turnos de tortura e de espancamentos, pisando a dignidade dos presos sem lei que os protegessem. Nem assistirão a presos atirados pelas janelas para se espatifarem no pátio. Mas não lhes gabo o gosto sádico de ali se sentirem bem, confortáveis, pagando com cheques sacados a contas gordas para habitarem um local de ignomínia."

[João Tunes, no Água Lisa]

"A suja história de sangue e horror do edifício e os gritos de dor de milhares de portugueses que as «velhas e nobres paredes com um metro de espessura» abafavam, são agora, pelo turvo milagre da usura, uma memória doirada, transbordante de festas e de bodas, e de duques, príncipes e embaixadores. Num país onde o dinheiro compra tudo, até a memória colectiva, os antigos torturadores tornaram-se «copeiros e gentis homens» ao serviço de ricaços e recém-chegados ansiosos por reconhecimento."

[Manuel António Pina, JN, 20-03-2009]

15.4.09

Mário Cesariny: Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos

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[do disco Poetas, 1997]
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Agora também em nova edição da Assírio & Alvim (fac-simile da edição da Contraponto, de 1953):
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7.4.09

Ler Devagar em Alcântara

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A Ler Devagar continua a expandir-se: depois do Braço de Prata, Cinemateca, Galeria Zé dos Bois e Instituto Franco-Português, vai inaugurar no dia 23 a quinta livraria, desta vez na LX Factory, em Alcântara.
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A livraria estará aberta entre as 12h e as 24h (e até às 2h, de 5ª a Sáb.), com a promessa de grande actividade cultural (concertos, exposições, teatro, etc.) e a qualidade a que já nos habituou.
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Uma óptima notícia, que confirma a vitalidade das pequenas livrarias independentes em Lisboa, aproveitando o facto dos grandes supermercados de livros estarem completamente vendidos às leyas e aos seus best-sellers manhosos.

3.4.09

"A FNAC cumpre o seu dever de mostrar quilómetros de nulidades, mas a culpa é dos milhares de títulos nulos que se publicam. Nem paro nesta secção do papel pintado, os romances lusos e estrangeiros traduzidos, com capas cada vez mais iguais e conteúdos que não conto nunca ler."
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[Pacheco Pereira, Público, 29/03/2009]

1.4.09

Quero andar a pé! Posso?

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Foi recentemente formada a Associação Cívica Passeio Livre que, como o nome indica, pretende lutar contra a ocupação abusiva dos passeios por automóveis. A principal acção a que se propõe é a colocação de um autocolante em carros que estejam a obstruir a passagem dos peões, prática generalizada em todas as cidades portuguesas. Por exemplo em grande parte das ruas dos bairros históricos de Lisboa só é possível circular a pé pelo meio da rua, já que os passeios, além de pequenos, estão sempre ocupados.
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A ideia é excelente e espero que resulte.