31.12.10

Alguns livros de 2010

  • Corpo Visível (1ª edição fac-similada), Mário Cesariny, Assírio & Alvim
  • A Última Porta, Manuel de Freitas, Assírio & Alvim
  • A Nova Poesia Portuguesa, Manuel de Freitas, Poesia Incompleta
  • Santo Súbito, Miguel Manso, ed. do autor
  • João César Monteiro (as Folhas da Cinemateca), Cinemateca Portuguesa
  • Que Lareiras na Floresta, Alberto Pimenta, 7 Nós
  • Crónicas: Imagens Proféticas e Outras (1º e 2º volumes), João Bénard da Costa, Assírio & Alvim
  • reedições de As Magias e O Bebedor Nocturno, Herberto Helder, Assírio & Alvim
  • O Tempo dos Assassinos, contos escolhidos e traduzidos por Aníbal Fernandes, Assírio & Alvim
  • Correios, Charles Bukowski, Antígona
  • Pan, Knut Hamsun, Cavalo de Ferro
  • O Vermelho e o Negro, Stendhal, Relógio D'Água
  • clássicos russos na Relógio D'Água (Tolstói, Turguénev, Dostoievski)
  • Do Inconviniente de Ter Nascido, E. M. Cioran, Letra Livre
  • Uma Semana de Bondade, Max Ernst, & etc

29.12.10

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Negra, a maré ainda não bateu
à nossa porta. Ácidas, as chuvas
ainda não comeram o pasto
do nosso rebanho. Industrial, por acaso
a medicina ainda não nos caiu mal.
Espelhos: continuam a não devolver
a nossa imagem. A raiva ainda não,
não possuiu os nossos filhos. Hoje
é o Dia Internacional do Ansiolítico.
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[Paulo da Costa Domingos, in Homem Quase Novo, frenesi, 2010]

23.12.10

O Mono do Rato

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A Câmara de Lisboa acabou por licenciar este verdadeiro atentado no Largo do Rato, sem exigir qualquer alteração ao projecto proposto inicialmente (mais informações aqui e aqui).
Só mais um esforço patos bravos, mono a mono, em breve tereis conquistado Lisboa inteira! No Hospital Miguel Bombarda será o próximo.

22.12.10

"realmente há uma coisa que sempre me admirará que são as pessoas que não têm um pequeno toque de poesia... São pessoas? São uma pedra. Com todo o respeito que merecem as pedras... Mas realmente acho muito esquisito haver pessoas que não tenham conhecimento da poesia; como é que se pode viver sem poesia?"
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[Cruzeiro Seixas, in Coelacanto nº 1, Dezembro de 2010]

20.12.10

À Flor do Mar

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À Flor do Mar (1986), de João César Monteiro, hoje, às 22 h, na Cinemateca.

19.12.10

Coelacanto

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A Coelacanto é uma nova revista literária, dirigida por Nádia Silvestre. O primeiro número faz uma mais do que merecida homenagem a António José Forte, poeta fundamental, inexplicavelmente muito esquecido. A homenagem inclui textos e poemas de Forte, desenhos de Aldina e textos e poemas (nem todos inéditos) de Herberto Helder, Luiz Pacheco, Vítor Silva Tavares, Paulo da Costa Domingos, António Barahona e Manuel de Freitas, entre outros.
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Além desta homenagem, a revista tem uma longa entrevista com Cruzeiro Seixas, poemas de Miguel Martins, Manuel de Freitas e Diogo Vaz Pinto, entre outros, um cadáver esquisito de Miguel Manso e Nuno Moura e um texto de Eduardo Sousa (da Letra Livre), entre muitas outras coisas.
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Custa 10 euros.
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Estão de parabéns os autores do projecto.

18.12.10

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para a Poesia Incompleta
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De entre as várias coisas que já não passam
nem acontecem na Praça das Flores, em Lisboa,
apetecia-me destacar o autocarro número 100,
a presença rígida e funâmbula de João César Monteiro,
o balcão sombrio e generoso da taberna de Dona Benilde.
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Em contrapartida, vejo cada vez mais
gente sentada a falar com um computador
no Pão de Canela, o quiosque reabriu
e vende limonadas, há uma livraria de poesia,
uma loja de chocolates, um restaurante vegetariano,
um Multibanco - tudo isto a menos de duzentos metros.
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Ontem, da porta fechada da taberna, Benilde
chamou-nos, numa loura saudação
que nos fez sentir ligeiramente culpados
e burgueses. Embora o extremínio, como é óbvio,
mantenha ainda e sempre a sua perfeita invisibilidade.
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Hoje, com a hercúlea companhia do Miguel
Martins, bebemos todo o vinho branco
que sobrava nos porões do Anarka Bar.
Não nos incomodava sequer o cheiro a tristeza,
a falta de tabaco, o ranço hospitalar do parlamento.
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Ali ao lado, discutia-se poesia, fazia-se a ética numa salada
sem tempero. era tudo o que não queríamos discutir.
Mas aguardávamos João Vuvu,nesta praça sem saída.
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[Manuel de Freitas, in Coelacanto nº 1, Dezembro de 2010]

15.12.10

Coelacanto

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(clicar para aumentar)
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Lançamento do primeiro número da revista Coelacanto, hoje ao fim da tarde, na livraria Sá da Costa.

14.12.10

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MEMÓRIA DO CAFÉ GELO
à memória de Mário Cesariny de Vasconcelos
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No Café Gelo, um grupo de poetas
demanda o elixir de vida curta,
de longa morte lenta e absoluta
.....e sílabas secretas.
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Mesas de mármore, cadeiras sépia;
eis um café à beira do abismo:
conversas incendiadas, sismo a sismo,
.....no desabar da época.
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Revolta, ódio, fome, febre atroz:
no riso pode haver isto e tristeza
e grande amor do sonho, e da beleza
.....a que o grupo dá voz.
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Não morreu este grupo: é perene
seu eco que deixou alto-relevo
numa parede-mestra, aonde subo
.....a pulso e tão solene!
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De cima da parede espreito e vejo
uma mesa ocupada por nós todos:
assembleia de pássaros ignotos
.....em ilhas de desejo.
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Vejo o corpo de glória de Lisboa
reclinado no ombro do Ernesto
para ler bem o seu ensaio honesto
.....dedicado a Pessoa.
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Vejo o Herberto a discutir mui louco
com o Gonçalo Duarte e o D'Assumpção;
o Forte tem o coração na mão
.....esquerda e fala pouco.
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Vejo o perfil do Saldanha da Gama,
o Virgílio em tríptico esboçado,
Raul Leal, d'Orpheu, Henoch irado
.....com lucidez de flama.
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Vejo um adolescente que sou eu
e que aspirava tanto a morrer jovem,
sentado, entre nós outros, quase à margem
.....numa fresta de céu.
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Manuel de Castro bebe o seu bagaço,
João Rodrigues faz desenho à pena
o Mário Cesariny põe em cena
.....a sua luz no espaço.
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Passaram mais de cinquenta anos
e uma tal luz persiste, não esmorece:
ilumina a leitura até ao vértice,
.....em versos soberanos.
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Poeta engalanado de galfarros,
noctívago andador com pés de jade
e poesia, amor e liberdade,
.....e mais de mil cigarros.
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Nas nuvens que se formam ao redor,
repousam borboletas d'asas pandas,
inebriadas pelo fumo às ondas
.....e cada vez maior.
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Rio de fumo espesso que atravessa
o jovem mágico, o das mãos de oiro,
esse que a remar não se cansa muito
.....e olha tão depressa
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tal se fosse de moto a singrar
no Tejo até à foz, do céu suspenso
por um fio de voz, vindo do imenso
.....cintil azul do mar.
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Na sombra, Cesariny d'alto porte,
agora dá mais luz, arde a cidade,
em poesia, amor e liberdade,
.....até matar a morte.
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[António Barahona, in Relâmpago nº 26, Abril de 2010]

13.12.10

Vítor Silva Tavares no DN (04/09/2010)

Através do blog da & etc cheguei a esta entrevista/retrato de Vítor Silva Tavares, feita por Fernando Madaíl para o Diário de Notícias de 04/09/2010:
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Vítor Silva Tavares
Amante de livros radicalmente livre... & etc

por FERNANDO MADAÍL
4 Setembro 2010
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O vulto da editora que lança títulos fundamentais em pequenas tiragens privou com as figuras fundamentais do seu tempo, de Almada a Cardoso Pires.
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Relógio da sopa? Oh! Lá está ele com o surrealismo." O relógio de cavalinho da sala de Vítor Silva Tavares, na Rua das Madres (mora na casa da Madragoa onde nasceu, a 17 de Julho de 1937), quando era empenhado, nos seus tempos de miúdo de pé descalço e língua de trapos ("se quiser, língua de Gil Vicente", ironiza), garantia à família caldo melhorado com chouriço de sangue ou naco de toucinho.
A alma da editora & etc - cujo catálogo se pode apreciar por algumas capas reproduzidas nestas páginas - , orgulha-se da miséria em que cresceu. O que ajuda a perceber a forma como assume uma vida "radicalmente independente", de quem foi retorquindo aos que queriam ser seus patrões que ninguém o punha no "olho da rua", pois nunca de lá tinha saído. Mesmo sabendo "a moeda que se paga por um suplemento de liberdade, que - essa sim - é impagável". O criador da chancela livreira marginal é filho de um maquinista da marinha mercante, que terá privado com o líder comunista Bento Gonçalves no Arsenal e tinha uma biblioteca que ia de Alves Redol a Paço d'Arcos - todos os títulos devorados por Vítor, leitor compulsivo desde que começou a juntar sílabas, não lhe importando se a obra era assinada por Zola, Salgari ou Spillane -, e de uma mulher que tanto trabalhava nas descargas de carvão e peixe como na fábrica das anchovas e, na sua imaginação cinéfila, era uma Anna Magnani.O miúdo que a avó, remendeira de velas de barcos e cantora de fados em tabernas, levava à sopa dos pobres do Sidónio, chegou a ver filmes atrás do ecrã - "o cavalo de John Wayne, em vez de cavalgar da esquerda para a direita, andava ao contrário". Mais tarde, trocaria os piolhos pelos cineclubes, os musicais da MGM pelo neo-realismo italiano - e lembra que este cinema permitiu a Joaquim Namorado dar um nome ao realismo socialista português.
Filho ilegítimo, pela legislação da época, foi rejeitado na escola oficial e frequentou aulas particulares em casa de duas velhotas, que ensinavam pela pedagogia da I República e liam passagens de poemas de Junqueiro e João de Deus que o futuro editor de nomes como Pedro Oom, Cesariny ou Herberto Helder, o amigo de Manuel da Fonseca, de João César Monteiro, de outros mais, ainda sabe de cor. Aluno de quadro de honra, mas revoltado no liceu da elite, num exame do 5º ano (actual 9º) atirou o hemisfério de Magdeburgo à cabeça do professor e foi expulso
Coleccionou ofícios, de empregado de escritório numa firma importadora de bisturis cirúrgicos a pintor de Cristos a óleo que um marchand vendia para conventos. Fez cenografia e adereços no teatrinho de bolso das Janelas Verdes - e Almada ficou encantado com os figurinos dos anjos que Vítor Silva Tavares concebeu para a peça Deseja-se Mulher.

Em África, foi examinador de cartas de condução em Angola (embora sem nunca ter tido o documento que o habilitava a conduzir), jornalista de O Intransigente e director de informação do Rádio Clube de Benguela. Ali rodou, com Juca Branco, Uma História do Mar, que, se ainda existisse cópia, talvez fosse o primeiro filme de ficção angolano. Depois, escreveu crónicas de cinema na revista Flama, contos no Diário Popular, crónicas no República, textos sobre as mulheres no Jazz na Crónica Feminina, coordenou o suplemento literário do Diário de Lisboa.
Aos 24 anos, era director literário da Ulisseia e, nos dois ou três anos em que esteve na editora, publicou obras como Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon (que "era a Bíblia dos guerrilheiros africanos"), ou Viagem ao Fim da Noite, de Céline ("o que me valeu ser considerado um reaça do pior"). Além dos censores, tinha a visita, "mês sim, mês sim", de brigadas da PIDE, pois lançava títulos como Praça da Canção (Manuel Alegre) ou Feira Cabisbaixa (Alexandre O'Neill). Ao publicar Crítica de Circunstância (Os Doutores, a Salvação e o Menino Jesus), de Luiz Pacheco, um polícia político perguntou a Vítor Silva Tavares se não lhe parecia que farsista, como era designado o tirano Herodes, era parecido com fascista.
Em 1967, quando o Jornal do Fundão foi suspenso por seis meses, preparava-se um magazine de letras, artes e espectáculos para se publicar naquele semanário oposicionista, mas com a sageza de evitar que fosse logo proibido. E no primeiro dos 26 números desse suplemento & etc - que haveria de ser revista autónoma de 1973 a 1974, tornando-se, depois, apenas editora - havia textos sobre o filme Pedro, o Louco, o fadista Alfredo Marceneiro e o novo bar Snob.

O nome foi inventado por José Cardoso Pires, que nunca esqueceu o concelho de Aquilino, após lhe entregar um exemplar do livro de estreia, Os Caminheiros e Outros Contos : "Sabe o que é preciso para se ser escritor? Orelhinha!" E foi assim que, ao correr da conversa sobre o magazine, notando que Vítor Silva Tavares repetia a expressão & etc (talvez reminiscência do seu livro angolano Hot e Etc), Cardoso Pires soltou uma espécie de eureka.
E como está a chancela de culto, que só faz pequenas tiragens e (excepto O Bispo de Beja, apreendido pela PJ) nunca reedita qualquer título? "Está há 36 anos na falência", diz o amante de livros, que não tem automóvel, computador ou telemóvel.

9.12.10

& etc na blogosfera

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A & etc está de parabéns pela sua surpreendente chegada à blogosfera!
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Eis o texto de apresentação:
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NÓS, & ETC
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Janeiro, 1973: sai o 1.º n.º da folheca cultural q.b. &etc. 25 reincidências depois, puf!, dá-lhe o badagaio. Entre outras graças, o sistema de distribuição & comercialização conseguiu apresentar um número de devoluções superior ao da própria tiragem.
(A tempo: pelo andar da carruagem, ainda nos volta a acontecer o mesmo...)
Dezembro, 73: sai o 1.º livro &etc, de seu título Coisas. Todo um programa, aqui para nós fielmente mantido até ao momento:

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– originalidade gráfica (o tal formato de 15,5 x 17,5 cm. com um quadrado lá dentro forçando ao cânone);
– tiragens magrinhas;
– preços a condizer;
– materiais pobres-mas-honrados;
– recusa total de subsídios estatais ou outros;
– política editorial tresmalhada mas com sentidos a piscar-o-olho;
– nada de reedições;
– nada de retribuições tipo copigaitas;
– nada de subserviências face às “imposições” (ditaduras) de indústria e de “mercado”.

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Falência, pois, assegurada desde o ovo, mas orgulhosamente sustentada até hoje graças a muita raiva à mistura com um romantismo (também ético) sabidamente anacrónico.
Prestes a fazer 38 aninhos de misérias materiais e luxos daqueles de só fazermos o que nos dá no gôto, somamos para aí uns 340 títulos publicados, coisa pouca, menos de 9 títulos-média por ano.
Grande parte (metade?) desses títulos encontra-se esgotada – e é muito apreciada por coleccionadores e alfarrabistas.
A coisa a continuar assim, ainda havemos de publicar apenas livros esgotados logo à saída dos prelos: êxito garantido!
Mas, enquanto não, cá nos vamos entretendo a ler as listas dos livros alegadamente “devolvidos” pelas livrarias, mesmo aqueles que sequer chegaram a cheirar-lhes as prateleiras.
Por estas e por outras, estamos a inaugurar este contacto virtual com virtuais interessados.

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Senhoras & senhores, Meninas & Meninos:
se desejardes (agarrados pelo rabo) adquirir algum livrinho &etc, porventura não encontrado nas livrarias do costume, favor encaminhar tão prestimoso desejo para as seguintes livrarias, estas nossas dilectas amigas:

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Letra Livre (email)
Artes e Letras (email)
Poesia Incompleta (email)
UTOPIA (Porto) (email)
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A & etc disponibiliza também o seu catálogo completo em pdf.

6.12.10

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PERGUNTA OCIOSA
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Os gregos ensinaram «paciência»
e «modera o apetite», os cristãos
acrescentaram «compadece-te e perdoa».
Sugestões orientadas para os dias
rigorosos da pobreza ou da velhice,
qunado resta carrilar no conformismo
a empenada carruagem do possível.
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Numa época, porém, em que os velhos
nada contam e ninguém se penaliza
por viver a curto prazo, na corrida
milionária ao armamento do desejo
(pois o pleito do consolo não se trava
já na alma mas na quina dos sentidos),
a que podemos nós chamar «sabedoria»?
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[José Miguel Silva, in Erros Individuais, Relógio D' Água, 2010]

3.12.10

“O que nas pessoas estranhas, desviadas por passo próprio ou enxotadas pelos outros, o fascinava era a absoluta liberdade individual com que faziam as suas escolhas. Num louco ou num pedinte que vagueava pelas ruas a pedir pão e sopa e que, de noite, tal qual os outros humanos, só queria dormir, Buchmann via quem poderia escolher em liberdade pura, e sem consequências, a sua moral individual. Moral que nem sequer tem um par, um elemento que a acompanhe.
Quem iria contestar a «vida imoral» de um pedinte ou de um louco? Aqueles homens tinham já em si, pela sua diferença, uma carga de imoralidade universal e profunda, que os tornava imunes às pequenas imoralidades praticadas.
Um louco, tal como um pedinte, não era imoral. Eram indivíduos sem cópia, semelhantes a um rei; alguém que não tem par, que não tem aquele que está ao seu lado. E por isso não há para esses homens escorraçados, como não há para o homem mais poderoso, qualquer critério de comparação.
Buchmann olhava com admiração para aqueles homens que traziam no bolso um sistema jurídico único, com o seu nome no fim.”
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[Gonçalo M. Tavares, in Aprender a Rezar na Era da Técnica, Caminho, 2007]

2.12.10

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[Egon Schiele, Männlicher Akt, gelb, 1910]