31.7.09

DE PROFUNDIS AMAMUS
.
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
.
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
.
Olha
como só tu sabes olhar
a rua…..os costumes
.
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
.
Não faz mal…..abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados…..maravilhosos…..únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
.
[Mário Cesariny, in A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX (selecção e prefácio de Manuel de Freitas), Assírio & Alvim, 2009]

29.7.09

AINDA NÃO
.
Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar
.
ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem
.
ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia sera
inda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer
.
ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça
.
ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração
.
[António José Forte, in A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX (selecção e prefácio de Manuel de Freitas), Assírio & Alvim, 2009]

27.7.09

AS BALAS
.
São de ferro. Ou de aço?
Diz-se que fazem à entrada
um pequeno orifício,
seguido de uma grande
devastação de carnes
sangrentas. Por isso matam.
Li tudo sobre a morte.
Escrevi sobre a minha
e depois embebedei-me.
A bala vem pelo ar
(ruído onomatopaico) e
crava-se, cava, ceva-se
nessas carnes. Era a minha.
Tive uma bala marcada:
à última hora telefonei
a desistir. 'da-se!
Pior para o Soares que entra
nestes versos já morto.
São de ferro. A tua era,
ó Soares, ou de aço,
e «agora choro contigo»
ausente uma vila
branca do Alentejo: tu.
.
Diz-se que fazem assim
um pequeníssimo estúpido
orifício (não quis ver)
como um botão mas
destroem tudo, devastam
tecidos, vísceras nobres,
e então trazem até nós
a morte sanguinolenta.
Se ainda as fabricam
como no meu tempo, creio
que matam num, ah pois,
infinitésimo de segundo.
É brutal. Eu ouvi-as:
perde-se a tesão por um século.
.
[Fernando Assis Pacheco, in A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX (selecção e prefácio de Manuel de Freitas), Assírio & Alvim, 2009]

23.7.09

.
[Cruzeiro Seixas, sem título, 1983]

17.7.09

“eu nunca li nenhum romance de Namora, e muito menos este de que me ocupei [Domingo à Tarde]. De onde deve concluir-se que a diferença fundamental entre a literatura autêntica e a literatura de consumo está em que, para falarmos desta última, não é necessário lê-la. Que os historiadores universitários da literatura meditem nesta tremenda verdade, e comecem a ler a outra…”
.
[Jorge de Sena, in Estudos de Literatura Portuguesa II, Edições 70, 1988]

16.7.09

Já chegou às livrarias

.
.
A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX, com selecção e prefácio de Manuel de Freitas, Assírio & Alvim.
.
A perspectiva da morte na poesia de:
.
- Vitorino Nemésio
- Ruy Cinatti
- Jorge de Sena
- Sophia de Mello Breyner Andresen
- Carlos de Oliveira
- Eugénio de Andrade
- António Manuel Couto Viana
- Mário Cesariny
- Herberto Helder
- António José Forte
- Fernando Assis Pacheco
- Armando Silva Carvalho
- Luiza Neto Jorge
- A. M. Pires Cabral
- Fátima Maldonado
- António Franco Alexandre
- Manuel Gusmão
- José Amaro Dionísio

15.7.09

DESIRE
.
A fome, o desamor, o desabrigo,
nenhum mal é comparável à miséria
dum emprego, com horas escoltadas
por minutos, os minutos com lápis
afiados, rasurando dia a dia
o animoso galarim das faculdades,
.
A questão, uma vez mais, é recusar;
desde logo, a protecção dos que traficam
com a liberdade alheia, o conforto
de servir os mediáticos negreiros,
cuja sorte se cimenta no apelo
que dirigem ao pior de cada um.
.
Pois aquilo a que chamais liberdade
(a coleira do consumo para muitos,
para poucos a gestão do entreposto)
não é mais do que extorsão e propaganda,
centenária manobra de fidalgos
educados no prazer da injustiça.
.
[José Miguel Silva, in Walkmen, & etc, 2007]

13.7.09

O Cachecol do Artista

.
.
O Cachecol do Artista, de Luiz Pacheco chegou à Phala (ler integralmente aqui).

10.7.09

Antígona: 30 anos de minoria absoluta

.
.
"Fundada em Junho de 1979, a editora Antígona iniciou a sua actividade com a publicação do livro Declaração de Guerra às Forças Armadas e Outros Aparelhos Repressivos do Estado. Esta obra emblemática anunciava já o programa editorial que se tem vindo a concretizar, sem desvios, ao longo de 30 anos. Hoje, com cerca de 200 títulos, a Antígona mantém a sua paixão inicial pelos textos subversivos, e vai continuar, ainda por muito tempo, a empurrar as palavras contra a ordem dominante do mundo.
Com um capital social de «enquanto existir dinheiro, nunca haverá bastante para todos», esta editora tem sobrevivido a todas as crises, adaptando o seu capital variável a cada momento. Refractária, resiste à acção do fogo, sem mudar de direcção.
No plano da edição, foi pioneira na forma como valorizou o trabalho do tradutor, dando-lhe força de autor ao colocar o seu nome na capa dos livros, um exemplo que não tem sido seguido por outras editoras.
Dos autores publicados, cerca de 150, a maioria era desconhecida do público português, dos quais destacamos: Laurence Sterne, Max Aub, Eudora Welty, Anselm Jappe, Lewis Mumford, Albert Cossery, Bartolomé de Las Casas, La Boétie, Zamiatine, Gabrielle Wittkop, Heinrich Eduard Jacob, Fonollosa, Jean Meslier, Herder, Karl Kraus, Max Stirner, Gómez de la Serna, Robert Bringhurst, Robert Michaels, Sharon Olds, Stig Dagerman, Uzodinma Iweala, Hubert Selby Jr., etc.
E assim conseguimos conquistar uma minoria absoluta, que nos sustentou nos 30 anos que agora celebramos festivamente."
.
[Luís Oliveira, blog da frenesi]

9.7.09

.
"Não sei o que vai acontecer ao livro no futuro; terá muito a ver com a evolução das sociedades. [...] penso que nada substituirá o livro enquanto objecto. O prazer de ler no sofá ou em cima de uma árvore, de o leitor se deter em certas passagens, de sublinhar esta ou aquela frase, não me parece substituível. Naturalmente, não nego o progresso, mas não alinho em modas ou necessidades de consumo. Decididamente, não serei um aliado do capitalismo…"
.
[Luís Oliveira, blog da Angelus Novus]
.
"Não existe uma literatura à margem. O que existe são experiências de vida marginais, que se reflectem naturalmente na escrita. É o caso, entre outros, de Albert Cossery. Ele viveu na margem do sistema, teve uma vida incomparável: recusou o trabalho, o carro, o casamento, os cartões de crédito, etc. Os seus romances não contam histórias de amor, essas tretas; são livros plenos, sim, de amor."
.
[Luís Oliveira, blog da Angelus Novus]

8.7.09

Antígona: 30 anos (2)

.
.
A não perder, no blog da Angelus Novus, uma série de posts a propósito dos 3o anos da Antígona: um post inicial, um texto de Manuel Portela, uma entrevista convencional a Luís de Oliveira e uma série de perguntas de autores e colaboradores da Angelus Novus (Luís Quintais, Rui Bebiano, Eduardo Pitta, etc.).

7.7.09

A Phala

.
.
A Phala, saudosa revista da Assírio & Alvim, criada em 1986 por Manuel Hermínio Monteiro, está de volta, agora on-line. Claro que em papel era outra coisa, mas é de aplaudir o regresso.

1.7.09

Antígona: 30 anos

. .
Foi há 30 anos que a Antígona começou a sua aventura com a Declaração de Guerra às Forças Armada e Outros Aparelhos Repressivos do Estado, de Custódio Losa (escrito na realidade por Luís de Oliveira e Torcato Sepúlveda).
Desde essa altura muitas dezenas de livros foram publicados por esta editora, numa linha eminentemente subversiva, marginal, libertária ou o que lhe quiserem chamar. Temos assim autores como como George Orwell, Jack London, Albert Cossery, Sade, Thoreau, William Blake, Raoul Vaneigem, entre muitos, muitos outros.
Ao contrário do que acontece com outras editoras de perfil semelhante, os livros da Antígona estão relativamente acessíveis nas livrarias. Mas para ter acesso a todo o seu catálogo, o ideal é passar pela Letra Livre (Calçada do Combro). A Aillaud & Lellos (Rua do Carmo) também está bastante completa.
No número 2 da Periférica (Verão de 2002) foi publicada uma reportagem sobre a Antígona, da autoria de Rui Ângelo Araújo e Carlos Chaves. Aqui fica:
.
.
Pânico. Ligada a corrente, conectados os auscultadores, pressionado o Play… e as arrastadas circunvoluções da cassete apenas soltam uns murmúrios entrecortados por ruído. Muito ruído. A entrevista ao editor Luís de Oliveira (ou à Antígona-editora, como preferirem) não existe. Sentimos nos ossos o cansaço da rápida viagem a Lisboa. Ecoa-nos na cabeça a voz suave e pausada do editor. Mas não temos provas de algum dia termos falado com ele. Já trocámos de leitor de cassetes, consultámos um especialista aposentado do SIS: nada! Impossível provar que aqueles sussurros, que a espaços se interpõe à incansável rebarbadeira nos auriculares, sejam as declarações de Luís de Oliveira. Não houve entrevista.
E quase íamos jurar o contrário. Quando, sentados na esplanada da Brasileira, em conversa animada com o Pessoa sobre o seu
O Banqueiro Anarquista publicado pela Antígona, perguntámos pela Rua da Trindade, estávamos convencidos que iríamos desempenhar com probidade a tarefa. Não desempenhámos. O que se segue não é, portanto, a conversa desejada.
Mas não desista o leitor. A nossa memória da entrevista que não existiu (largamente auxiliada por algumas publicações que deveras existem) há-de conseguir o perfil que propomos. Se não há provas de, descendo para o Quartel do Carmo, termos subido as escadas do nº 5 para entrarmos no 2º frente, não significa isso que não possamos contar-lhe como evoluíram os “vãos de escada” nos últimos anos.
.
A Antígona é uma editora subversiva. Que se saiba, ninguém da Antígona andou a colocar bombas nas esquinas dos poderes, mas a editora, que escolheu a palavra como arma contra «os poderes constituídos e demais valores decrépitos», tem deixado muitas páginas de nitroglicerina espalhadas por sítios estratégicos deste país.
Iniciou as hostilidades em 1979 e baptizou-se com o nome de uma personagem de Sófocles que «representa uma ideia central de desobediência portadora de subversão»: a Antígona, «figura universalmente conhecida pela importância terrível da palavra proclamada no seu devido tempo, da palavra que compromete e expõe».
O título inaugural (Declaração de Guerra às Forças Armadas, de Custódio Losa), com o texto onde a editora se apresenta, estabeleceu sem margem para dúvidas o percurso a seguir. Desse percurso fazem parte, além das 136 obras publicadas até agora, constantes tomadas de posição que vão confirmando, de um modo ou de outro, os princípios da editora, e ajudam à construção de «um pensamento subversivo».
.
.
Embora tendo como nítida espinha dorsal o editor Luís de Oliveira, a actividade editorial da Antígona, nas suas próprias palavras, «evoluiu na base de cumplicidades com colaboradores identificados com a sua linha bem definida». A sede da editora, diziam, era «num vão de escada, nas catacumbas de alguns cérebros». Todos os lugares por onde passavam Luís de Oliveira e companhia era lugares de trabalho, fossem eles os cafés, as praias, os quartos de dormir, «entre amigos e amantes, entre momentos de paixão ou solidão». Com essa estrutura e modo de funcionamento, botando a língua de fora ao mundo (O logótipo, mas também, certamente, o editor), foram sendo publicados os vários títulos da subversão, política e social. Foram afrontadas as ideias de poder e os preconceitos sociais e morais.
É fácil imaginarmos um ideário de esquerda a presidir às acções da Antígona, mas a editora garante que «não simpatiza com nenhum partido ou bandeira, e não é correcto rotulá-la de esquerda enquanto sistema de dominação, porque não quer uma revolução que nos impeça de dançar». Do mesmo modo, será precipitado aventar que todos os livros que servem a subversão pretendida pela editora transportam em si ideias revolucionárias. Nas palavras de Júlio Henriques, num texto publicado n’ A Promessa de Antígona, «politicamente, alguns [dos autores publicados] foram mesmo reaccionários (Pessoa, Céline, Paul Dresse). E no entanto o propósito desta pequena editora foi sempre o de contribuir para a subversão do mundo, única perspectiva meritória e razoável nas unhas duma civilização que, sob a capa esburacada do progresso, não tem feito senão envenenar tudo aquilo em que toca».
.
.
A Promessa de Antígona, publicada no décimo aniversário da editora, obra constituída por entrevistas, breves textos evocativos, reedição de prefácios e notas a livros e republicação de cartas várias, constitui um útil «manual de instruções” da Antígona. Nela estão as ideias principais da editora. Os princípios. A história. As «linhas de força», citações de autores vários que vão ajudando à caracterização psicológica da editora. E que passam por George Orwell («Não se pode ter grande coisa em troca de coisa nenhuma»), Henry David Thoreau («Se um homem é livre, quando pensa, quando imagina, quando fantasia, dando existência a coisas que não existem, não há governantes, não há reformador que possa colocar-lhe travões»), Sade («Deus é o único equívoco que não posso perdoar ao homem») e Georges Bataille («Proibição não significa forçosamente abstenção, mas a sua prática sob a forma de transgressão»).
Para que o propósito de «contribuir para a subversão do mundo» fosse conseguido, a editora foi publicando essencialmente ensaios críticos (Bataille, Thoreau, Herder, Orwell, La Boétie, Vaneigem…), mas também romancistas como Graça Pina de Morais, Mário de Andrade, Stig Dagerman, Jack London, Ramón Gómez de la Serna, Kleist, Adolfo Bioy Casares, ou Laurence Sterne. Logo no início, a editora debruçou-se, «com algum júbilo, sobre certos mitos tenazes, a começar pelo surrealismo, passando pela revolução espanhola, pelo terrorismo contemporâneo, por certas faces do anarquismo […], pela pretensa inamovível inferioridade das culturas índias, e, rebuçado dos rebuçados, pela própria e insigne história de Portugal». «Ao mesmo tempo, a Antígona escolhia a dedo, em noites prolongadas, textos literários duma gente que povoa com os seus pesadelos festivos os subterrâneos da liberdade.»
.
.
Às nosass perguntas sobre se «a editora quer crescer» e sobre se «é possível crescer sem se desvirtuar» havia a editora respondido, de certas maneiras concomitantes, em 1989. «A Antígona-editora não tem ilusões quanto às suas possibilidades. Mas, como dizia Revachol, “enquanto cá andar hei-de bater com as portas”.» Por outro lado, «a Antígona não aspira conquistar um lugar, modesto que fosse, no mundo das artes e das letras, nem na história assaz “respeitável” da edição. Se por infelicidade um panteão lhe oferecessem, o único que lhe conviria seria o dos grandes cataclismos, ao lado dos terramotos ou do da peste». Até agora não lhe ofereceram um panteão, aina que em 1997, uma das suas edições (A Vida e Opiniões de Tristram Shandy) visse ser-lhe atribuído o Grande Prémio de Tradução. Mas, claro «uma pequena editora de livros que procura resistir […], só terá possibilidades de manter a sua coerência editorial se desprezar a sua audiência em termos de mercado».
.
.
Hoje, apesar das mudanças que entretanto aconteceram e que veremos à frente, a Antígona mantém, no essencial, estes pontos de vista. Desde logo, expressos numa das raras frases de Luís Oliveira que sobreviveram ao cataclismo da cassete avariada: «A Antígona ´eum projecto que pretende ter uma dimensão universal, num pequeno espaço físico, ao nível das ideias que veicula.»
O caminho percorrido de 1989 até à data, as mudanças que aconteceram e as que se prevêem demonstram a verdade da premonição contida no texto de Júlio Henriques em A Promessa de Antígona: «As possibilidades de uma pequena editora franco-atiradora como a Antígona são contudo promissoras». Comprova-o a boa recepção dos livros por parte da crítica, comprova-o o aumento das tiragens (que rondam agora os três mil exemplares, em média) e comprovam-no as reedições. Luís de Oliveira julga que «os textos da Antígona são capazes de apaixonar mesmo aqueles que em condições normais não sabem ler…». Mas, se num país onde é tudo para a bola e nada para a tola, tudo para o lucro e nada para o intelecto, é agradável sentir que este projecto continua a provocar grande ressonância», a verdade é que a Antígona «não vive da fama». «Nem sempre me sinto satisfeito quando a crítica e a sociedade o estão», diz o editor.
Atrevemo-nos a dizer que a Antígona é uma editora subversiva de sucesso. A aparente contrariedade dos adjectivos é anulada se notarmos que, para que o “sucesso” viesse, a editora não mudou o rumo. Garante Luís de Oliveira: a Antígona tem construído e pretende continuar a construir um pensamento subversivo, refractário.» É certo que se tornou mais «flexível», mas «não menos radical».
.
.
A flexibilidade da editora passa, por exemplo, pelo facto de ter abandonado o «vão de escadas» e se ter instalado num interessante espaço no centro de Lisboa que faz as delícias de Luís de Oliveira. Trata-se de uma sala no segundo piso de um edifício na Rua da Trindade («perto de tudo»), espaço esse que foi recuperado e redesenhado com a contribuição de uma arquitecta e de um arquitecto amigos, transformando-se numa sala moderna. No mezanino construído para rentabilizar o espaço fazem-se as reuniões de trabalho. No “vão de escada” metálica que lhe dá acesso, fica a entrada dos clientes e outros visitantes. Mudam-se os tempos…
A mudança mais radical não foi a da estrutura que alberga a editora, foi a do seu “organigrama”. A Antígona, que não tinha uma estrutura empresarial, sempre teve como editor e pilar fundamental Luís de Oliveira. Mas era também, de certo modo, uma «informal associação de pessoas». A «informal associação de pessoas», diz o editor, nos últimos anos foi-o «desvitalizando». Havia «conflitos inúteis» que roubavam tempo à tarefas fundamentais e gastavam energias preciosas. Isso acabou. Neste momento o trabalho do editor é, por opção, mais solitário do que nunca. O que, de certa maneira, pode favorecer a crença de Luís de Oliveira de que «não há nenhuma grande obra que não seja feita a partir de uma grande dose de solidão».
.
.
Embora a editora passasse, em 1998, a sociedade por quotas (com a designação de Antígona – Editores Refractários, Lda.), a verdade é que a estrutura se resume ao editor, Luís de Oliveira, a Eduarda Feio, «que deu à Antígona um rosto», e a duas colaboradoras, Carla Oliveira e Carla da Silva Pereira.
Esta alteração trouxe óptimos resultados, assegura-nos. A Antígona, que antes editava quatro a seis livros por ano, passou a publicar doze livros e quer atingir brevemente vinte títulos anuais.
E, se não mudou o rumo da editora, também não mudou a forma como o editor selecciona os livros a publicar e os objectivos subversivos que a publicação visa. «Eu vivo dentro de livros, e portanto todos os dias chegam documentos.» No projecto continuam a caber aqueles (e só aqueles) «que têm contribuído para o avanço da Humanidade». Para os encontrar, Luís de Oliveira mantém uma atenção permanente ao que se passa no estrangeiro, cultiva as relações com os seus contactos habituais, lê, investiga, viaja, vive («o projecto não é separado da vida»). Na calha tem vários títulos. Um deles é Memórias, de Jean Meslier, um padre que confessa à noite a hipocrisia e as mentiras que vive de dia.
.
.
Na página da editora na Internet (http://www.antigona.pt/) estão as resposta às pergfuntas que mais frequentemente lhe são feitas. Ali ficamos a saber, por exemplo, que há poucos autores portugueses que se identificam com a linha editorial da Antígona, que o mundo não seguiu a máxima da editora «Cultiva a inteligência, não deixes morrer a revolta», que a editora é contra «todas as ideologias, pois nenhuma liberta o homem das suas prisões», etc. E, para os escribas que se julguem merecedores de uma edição na Antígona, está lá o aviso: «É mais difícil um autor entrar na Antígona do que um camelo passar pelo buraco de uma agulha.» As constantes rejeições de originais comprovam-no. Luís de Oliveira, «editor de certos livros», escolhe os livros como amantes, e é com vibrante paixão que destina ao caixote do lixo aqueles que se atrevem a enviar-lhe textos ignorando os avisos e o perfil da editora.
Curiosamente, os livros subversivos que a Antígona publica convivem bem com os best sellers de supermercado. «Não creio que nenhum livro da Antígona seja desvalorizado por estar ao lado de mediocridades. O que me preocupa é a produção de mediocriades.» de resto, Luís de Oliveira acha que «não devemos lutar contra certos projectos, mas impor os nossos». E não é raro encontrar um livro da Antígona (com a língua de fora, claro) ao lado de uma feliz obra light.
.
.
De certa maneira, a vida da Antígona confunde-se com a vida do seu editor de sempre. Luís de Oliveira nasceu em Chãos (Ferreira do Zêzere), licenciou-se pela «Academia das Artes Abomináveis» e foi proprietário de uma livraria em Santarém, onde conheceu e fez amizade com Herberto Helder, António José Forte, Mário Viegas e Carlos da Fonseca («cujas recomendações de livros têm sido essenciais ao catálogo sustentado da Antígona»). A edição é a sua vida e, desse as voltas que desse, «estivesse nas Berlengas, em Trás-os-Montes ou no Algarve, faria o mesmo trabalho». Disso tudo há-de dar conta um dia: «Há sempre o medo de poluir mais o mundo, mas seguramente vou escrever sobre a minha experiência na Antígona. Tenho uma necessidade psicológica de escrever.» Ficamos a aguardar.