27.7.08

Boa Noite, Senhor Soares

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Gostei de Boa Noite, Senhor Soares, de Mário Cláudio, uma novela pessoana em torno de Bernardo Soares. Nos anos 80 António da Silva Felício recorda o tempo em que trabalhou no escritório do “patrão Vasques”, na Rua dos Douradores, tendo como colega, entre outros, o enigmático senhor Soares.
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António evoca assim, numa prosa muitas vezes castiça e típica da época, uma melancólica Lisboa dos anos 30, ao mesmo tempo que revela o seu fascínio por essa misteriosa figura “de olhar triste, mas sempre muito atento” que os colegas achavam “um bocadinho esquisito”:
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“Quantas e quantas vezes, ao reparar naquelas faces deslavadas do senhor Soares, e sobretudo à segunda-feira, quando ele parecia ter transitado directamente da cama para o escritório, perguntava a mim próprio, «Mas este gajo não apanha ar?, vive assim fechado em si mesmo, nunca se terá posto em tronco nu ao sol em Carcavelos?» Acontecia-me isto no Verão, e com as janelas escancaradas para a Rua dos Douradores, cheia daquelas falas preguiçosas que só se ouvem no calor, e que se misturam ao chilreio dos pardais, e ao barulho da água da esfrega que uma santinha despeja à soleira da porta. E ali se sentava o senhor Soares, de olhar triste, mas sempre muito atento, e o mais que se consentia era desabotoar o colarinho, o que fazia com que o laço lhe caísse para a frente como uma coisa murcha. Logo depois eu inquiria dos meus botões, «Mas quem será ele de facto?, nunca se terá estirado debaixo de uma parreira, ou de uma árvore? nunca terá comido até tocar com o dedo, nem bebido até tombar para o lado, nem rido à gargalhada até sufocar?» Eu tornava a observar o senhor Soares, e de repente tinha a impressão de que ele cabeceava, não de sono, mas de pensar, ou talvez de sentir, o que eu não sentia. O homem erguia-se num estremeção, e vinha-me à ideia que se achava ele já morto no seu fato escuro, e com os cotovelos do casaco empoeirados por se ter apoiado, quando o escritório ficava deserto à hora do almoço, na sacada da varanda.”

26.7.08

O Mono do Rato

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Pode ser assinada aqui uma petição contra este monstro que pretendem construir no Largo do Rato. Trata-se de um edifício com uma volumetria completamente desajustada para a zona, destinado a apartamentos, com 7 pisos e mais 5 abaixo do solo, que irá tapar completamente a Sinagoga de Lisboa e obrigar à demolição da Associação Escolar de São Mamede.
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É este o texto da petição:
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"Da autoria de Frederico Valsassina e Manuel Aires Mateus, o projecto de construção entre o Largo do Rato, Rua Alexandre Herculano e Rua do Salitre, teve agora luz verde dada pela autarquia lisboeta aos projectos de especialidade.
Considerando que se trata de uma construção que pela volumetria rebenta totalmente com a escala do Largo e descaracterizará defenitivamente esta zona lisboeta;
Considerando aínda que para servir tais propósitos o Chafariz do Rato, obra do séc. XVIII, atribuido ao arqueitecto Carlos Mardel, bem como o Palácio Palmela (Procuradoria Geral da República,) perderão totalmente a sua leitura visual pela proximidade da obra.
Assim, atendendo aos considerandos expostos, segue abaixo assinado à Assembleia da República e Câmara Municipal de Lisboa para que travem imediatamente este projecto. "

23.7.08

Sempre de mim

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Algumas edições de Sempre de Mim, último disco de Camané, incluem também um documentário de Bruno de Almeida sobre a gravação do disco. Está disponível no Youtube e vale a pena ver:
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21.7.08

Ler ou FHM?

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Muito significativo o silêncio na blogosfera sobre a capa que a Ler dedicou a Margarida Rebelo Pinto. Será que isso tem alguma coisa a ver com o facto de um número assinalável dos blogues que costumam comentar estas coisas ter como autores pessoas que têm ou tiveram (ou esperam ter) relações profissionais ou de amizade com Francisco José Viegas?
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Note-se que, não o conhecendo pessoalmente, tenho a maior consideração por FJV e pelo excelente trabalho que tem feito por todo o lado onde tem passado, o que não me impede de achar que neste caso fez uma grande asneira.
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Um dos poucos que se referiu ao assunto foi Jorge Reis Sá (colunista da Ler e editor de FJV), defendendo a posição da revista. Afinal também as Quasi têm capas “com plastificação brilhante, cores garridas, arco-íris, cor, cor, cor.” porque “o poema não tem de ser sempre depressão.” E remata: “Assim a LER. E que mal tem?”
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Para JRS não tem mal nenhum, claro, “A capa é bonita. A Margarida Rebelo Pinto não é mulher feia, e a fotografia está excelente.”
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Caro Jorge, longe de mim achar MRP uma mulher feia, mas se a ideia é ver mulheres bonitas parece-me que já há no mercado publicações muito boas, não precisamos da Ler para nada…
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18.7.08

A crítica e o lixo

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"Não existe hoje uma razão visível para a existência da crítica nos jornais em Portugal, como é perceptível quando os percorremos, tal a sensação de falta de critério e de incapacidade em discriminar o relevante e o irrelevante, como se vê pelo caso em análise. A única razão para a sua manutenção é a inércia: pareceria mal, apesar de tudo, que jornais de referência deixassem de dar espaço aos livros que cada vez se publicam em maior número."
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[Osvaldo Manuel Silvestre, em post sobre a crítica ao novo livro de Margarida Rebelo Pinto no Actual e Ípsilon da passada semana]
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Depois da capa e longa entrevista na Ler, MRP chega agora ao Actual (suplemento do Expresso) e ao Ípsilon (suplemento do Público). Neste último há também uma crítica a um livro de Domingos Amaral. Vemos portanto o light/lixo a chegar em força a sítios que se pensava estarem imunes a ele, o que realmente nos põe a questionar a própria existência destes espaços supostamente dedicados à literatura.
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Vale a pena ler o post todo, mas gostava sobretudo de chamar a atenção para dois pontos que me parecem absolutamente evidentes, embora gerem frequentes confusões:
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1. ler não é necessariamente bom, depende do que se lê:
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"A leitura, em si, sejamos claros, não é um bem: depende, sempre, do que se lê e de como se lê. E a evidência empírica demonstra à saciedade que quem lê autores como MRP por sistema não passa mais tarde a, digamos, Thomas Mann."
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2. leitores do light e leitores de sublementos literários pertencem a mundos imiscíveis; a crítica literária não tem de se ocupar de "livros" mas de "literatura":
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"O equívoco vem já dos tempos do DNA e do seu então director, que se lamentava periodicamente de a crítica não enfrentar o fenómeno da literatura light. Falsa questão, pois, como Pedro Mexia já disse (e não me lembro se o escreveu também), os leitores de MRP não lêem resenhas em suplementos literários; e os leitores destes não lêem MRP."

17.7.08

É só fachada

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"Do ponto de vista dos princípios, um edifício é um todo e não pode ser amputado de nenhuma das suas partes sob pena de perder a sua coerência." [...] "Uma edificação também tem, por exemplo, dentro e fora, cimo e baixo, frente e traseira (tardoz), infra-estrutura e superstrutura e assim por diante.
[...]
No entanto, está a tornar-se "política" corrente e - pior ainda - aceitável, utilizar o expediente tosco de "conservar a fachada" que é apenas parte dum todo para fazer o que, vulgarmente, se designa por "recuperação" (de edifícios). Nestes casos, podemos dizer que estamos perante uma opção que, por ser falsa e postiça, "é só fachada" e, portanto, literal e culturalmente, errada e mentirosa. Mau de mais para ser aceitável."
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[Manuel Correia Fernandes, arquitecto, em artigo no Jornal de Notícias de 16-5-2008]

16.7.08

Medo do silêncio

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Se há coisa que me irrita é a omnipresença de música e televisão em cafés, restaurantes, lojas, metro, farmácias, esplanadas, escritórios, etc, etc.
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Este é aliás um fenómeno que não se limita a espaços públicos, mas vai alastrando também para os privados: é frequente as pessoas terem em casa a televisão ligada em permanência, mesmo que não estejam a ver qualquer programa ou ligarem imediatamente o rádio quando chegam ao carro, independentemente do programa ou música que esteja a passar. Acima de tudo noto uma crescente intolerância para com o silêncio.
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A Fernanda Câncio escreveu uma bela crónica precisamente sobre isso. Está disponível no 5 dias mas vou deixá-la também aqui:
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"Foi acontecendo. Acho que começou nas lojas. De repente, entrava-se numa loja e havia música. Depois começou a haver música aos berros. Do género de música aos berros que faz uma pessoa perder qualquer vontade de comprar e querer pôr-se a milhas rapidamente. Depois foi nos cafés. A seguir nos restaurantes. Queria-se fazer o que fazem pessoas que jantam juntas – conversar (a não ser que estejam terrivelmente apaixonadas ou terrivelmente fartas umas das outras) – e era impossível. Pedia-se para baixar a música e os empregados ficavam a olhar, tipo “olha a careta, não curte”.
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Depois, um belo péssimo dia, chegou à rua. Em Lisboa, na Baixa – a Baixa, o tal sítio que precisa tanto de “animação” — colocaram umas colunas e toca de “animar” os passantes. Não tão animados, estes tanto protestaram que a idiotice foi à vida. Quando demos por nós, estava nas praias, nos chamados apoios de praia. Peço desculpa por fazer uma pergunta tão estúpida, mas por que raio há-de alguém querer ouvir música aos berros numa praia quando tem o barulho das ondas, o ondular das lonas na brisa, e aquele clamor difuso, feliz, dos banhistas? Pois. Vai-se a ver e é do hábito. Uma espécie de vício. Certo é que está em todo o lado. Por exemplo, nos ginásios. Não se consegue fazer ginástica sem música. Nem se consegue tomar um duche no ginásio sem ouvir música. Há aulas de bicicleta (nome de código RPM) com luzes giratórias e não, não estou a inventar, bolas de espelhos, em que os instrutores têm microfones mas mesmo assim gritam para que alguém perceba que raio estão a mandar fazer. Até nas chamadas “aulas calmas”, aquelas de mistura de Tai Chi com Pilates e Yoga, invariavelmente a música está tão alta que em vez de relaxar, distender e apurar o equilíbrio, o participante esmifra os nervos por não lograr seguir as instruções.
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Parece pois que a música alta, tão alta que faz suspeitar de que está toda a gente a caminho da surdez, veio para ficar. A música e os ecrãs com música. No outro dia passei numa esplanada da Baixa (sim, outra vez a Baixa) e havia um ecrã. Quer dizer: uma esplanada no meio de uma enfiada de ruas numa zona onde passam milhares de pessoas, com um sol maravilhoso e edifícios bonitos por todo o lado, e um ecrã. Para que quer alguém um ecrã num sítio daqueles? Será por causa do europeu de futebol? Ou é mesmo só para ver, sei lá, vídeoclips?
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Bem sei que parece que tenho 80 anos e nunca dei cabo da paciência dos meus vizinhos com a aparelhagem no máximo, ou que não gosto de bares e discotecas. Mas, precisamente, esta ideia de que tudo tem de ser igual a um bar ou uma discoteca, de que alegria e “animação” (outra vez esta palavra execrável) são sinónimo de música alta é verdadeiramente encanitante. Aliás, é pior que encanitante, é de fazer perder a cabeça. A mentalidade de feira, de recinto de carrinhos de choque, de Big Show Sic, tomou conta de tudo. Tudo é uma rave. Na noite de Santo António, por exemplo, junto à Sé de Lisboa, um quiosque de venda de bebidas serviu cervejas e décibeis noite fora. Tipo assim uma espécie de Rock in Sé, sem apelo sem agravo para a malta que vive na zona e nem sequer um avisozinho prévio de que a cena sardinhas, febras, ruas cortadas, muita garrafa partida e muita bebedeira perdida ia desta vez meter também um sistema de som capaz de acordar os mortos de sob as lajes da catedral (se lá sobrar algum) ou, em alternativa, só os residentes num raio de quatrocentos metros. E, de caminho, pulverizar qualquer talento para o fado vadio nas tascas típicas das redondezas.
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Se calhar é de mim, mas tudo isto me parece, mais do que uma enorme saloiada – que também é –, uma espécie de desespero. O desespero de preencher, de fazer igual, de juvenilizar, de esconjurar o tédio e o vazio. Ter medo do silêncio é sempre mau sinal."

10.7.08

Os Livros Ardem Mal

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Estive hoje a ler uma série de posts d' Os Livros Ardem Mal, blog ao qual ainda não tinha prestado a devida atenção.
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O blog vive sobretudo dos posts de Osvaldo Manuel Silvestre, embora Rui Bebiano, Miguel Cardina e Ana Bela Almeida, entre outros, também escrevam por lá. A qualidade é quase sempre muito elevada. Gostava de destacar estes dois textos (I e II) sobre Maio e a Crise da Civilização Burguesa de António José Saraiva, deixando um pequeno excerto do primeiro:
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"este consenso sobre o livro de Saraiva é não apenas frágil mas falso, pois o que se tem recuperado é, em menor grau, a reportagem daquele mês, e, sobretudo, a crítica, pela esquerda – mas não pela extrema-esquerda, que não era a de Saraiva, e sim pela tradição libertária que marcará o autor na sua fase tardia –, da perspectiva com que os Partidos Comunistas enfrentaram e, em boa medida, atraiçoaram, a dinâmica do movimento estudantil. Tem-se referido bem menos a crítica radical de Saraiva ao capitalismo e, mais do que isso, à Razão instrumental, que para Saraiva definia capitalismo e comunismo juntamente (...) e, antes disso, todo o projecto da modernidade, que Saraiva preferia qualificar como «burguesa»: dissociação entre trabalho e capital, triunfo do espírito de «mensuração» e «contabilização», perda da relação não-instrumental com a Natureza e com o Outro."

8.7.08

Dennis McShade na Assírio & Alvim

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Uma excelente notícia: a Assírio & Alvim vai reeditar A Mão Direita do Diabo, um dos três livros policiais que Dinis Machado escreveu sob o pseudónimo de Dennis McShade.
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A Mão Direita do Diabo, de que já falei aqui, foi publicado pela primeira vez em 1968 e integrava a colecção Rififi da editora Ibis. De momento só em alfarrabistas (e com muita dificuldade) se consegue ainda encontrar.
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Esperemos que se sigam os outros dois: Requiem por D. Quixote (1968) e Mulher e Arma com Guitarra Espanhola (1968).

7.7.08

Av. da República (e imediações) à espera do fim (2)

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Depois de uma série que aqui dei conta, o Paulo Ferrero, do Cidadania LX, assinalou mais uma enorme quantidade de edifícios em perigo, agora não na Av. da República, mas nas suas imediações. O panorama é assustador:
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Av. Cinco de Outubro, Nº 108-110
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Avenida dos Defensores de Chaves, Nº 60
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Avenida dos Defensores de Chaves, Nº 16
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Avenida dos Defensores de Chaves, Nºs 5-7-9
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Avenida dos Defensores de Chaves, Nº 17
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Avenida dos Defensores de Chaves, Nº 37
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Avenida Barbosa du Bocage, Nº 65 e 67
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Avenida Elias Garcia, Nº 60-62
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Avenida Elias Garcia, Nº 132
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Avenida Elias Garcia, Nº 107-121
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Avenida Visconde de Valmor, Nº 53, 55 e 57
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Avenida Visconde de Valmor, Nº 43
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4.7.08

TV 7 Dias

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E eis que ao terceiro número a Ler se transforma na Tv 7 Dias...

A Quinta dos Animais

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A Antígona acaba de lançar uma nova tradução de Animal Farm, célebre obra de George Orwell, agora traduzindo correctamente o título por A Quinta dos Animais. Recorde-se que as anteriores edições portuguesas intitulavam-se O Triunfo dos Porcos.
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Ainda não li a nova tradução (de Paulo Faria) mas a avaliar pelo título e pela excelente tradição da editora neste campo, presumo que seja boa.
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Quanto ao livro, é absolutamente indispensável, claro.