11.5.07

EM SUMA
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Um a um foram saindo de cena
os companheiros. Partiam, com a tarde,
para fins empobrecidos,
na rota dos eleitos para filhos e despesas.
As noites faziam-se livrescas,
estendiam sobre mim o seu império
de silêncios e desfalques.

Entretanto, engrossava o meu diário
de rasuras, de cálculos moídos,
partilhando por verrinas e recados
sem resposta. Bebia o desalento
por canecas de latão, corria
as persianas. É muito pouca sorte.

Os versos, com o tempo tornavam-se mais longos,
cresciam para trás, para fora
dos cadernos, ocupavam a minha vida
tal a morte na semente de madeira.
Afeiçoava-me isso sim à solidão, contava
o negativo dos afectos, protegido na cabeça por um chapéu de feltro;
pois essas são as coisas e as coisas
que ontem nos pareciam boas
não existem.

[José Miguel Silva, in Vista para um Pátio Seguido de Desordem, Relógio D'Água, 2003]

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