5.6.07

Os Livros no Parque: João Paulo Cotrim

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As Copas dos Livros
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O rio é o pano de fundo da cidade. Pinta-se plúmbeo na noite, reverberante com os raios da madrugada e azul, entre as esquinas, no fim das ruas pelo dia dentro. Por vezes é verde. Sobre o movimento das ondas, passam barcos e navios. Sobre o movimento das águas, passam livros. Subiram avenidas, experimentaram os ventos da praça, mas lançaram âncora no parque. É o lugar certo. Os livros são uma floresta de gente em gestos de vento, são montanhas movediças de palavras, paisagens mentais feitas de cheiros e memórias, são formas seguras e ideias soltas, são gritos e agressões, são incómodos, são matéria que as mãos levam aos olhos, carne que nos fazem mais corpo, mais transparente, mais voador. As árvores, como os prédios, dão-se bem com os livros. Contam cada tempo do tempo até chegar a altura em que essas aves de arribação regressam ao parque para nidificar por entre alamedas de copas exaltadas. É a única altura do ano em que brilha com as cores do rio a seiva de papel que lhe arde no tronco. Os livros acontecem inesperadamente como riscos de trânsito nocturno, portos de abrigo, sangue e oxigénio da cidade minha. Os livros são o pano de fundo verde da cidade.
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[in Os Livros no Parque, editoras Afrontamento, Antígona, Assírio & Alvim, Climepsi, Cotovia, Meribérica-Liber, Relógio D’Água e Teorema, 2004]

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