28.4.08

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A BONECA, «O 1º AMOR», OU A PÁSCOA DE MIL NOVECENTOS E CINQUENTA E TAL
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SOMA E SUBTRAI eu tinha treze anos em Julho. Ela tinha uma cona por dez escudos. Ou mesmo 15, emolumentos. Sabão e água. E a telefonia. Combinava-se, como no dentista. E nada de dores, tudo a brincar. Leonor, e as ancas largas. Pro baixo e loira, na condição. Via-se na rua, fora do ghetto, e dizia-se-lhe o nome. Levava quinzes. E um cortejo de pensamentos fragmentados, com ela, de volta a casa. Pensando os homens: em ir fodê-la. Sem mais conteúdo, eles. Estreei-me em Abril, horas da tarde e a emoção. Mãe dentro da mãe, mamas destapadas, lençol e tudo. Hipocrisia a dela, no tratar das unhas por cima do cio do rapaz, mas atenta. Era o seu estilo. Manicura. Cuidadosa. Como no sabão. Cuidadosa. Lavava-nos como a meninos, e era um prazer a mais, ela tirava e punha outra vez a comichão de há pouco, na pixota. E até licor, às vezes. Dois compartimentos, «boa casa» e limpeza. Cheiro a guisado, menu da Páscoa, e pelo ano fora. Apuro de ideias, ao fogão. Sempre o cuidado. Eu lia Sartre, aos quinze. Mas naquele tempo (1º amor) era só haste, sem flor. Folhas pequenas, frágeis, que ela não partiu e até afagou. Deixou crescer. Conheceu. Considerou. Juro. Sem Sartre havia a telefonia. Magia de palácio; edredão e telefonia. E a luz coada do saguão. Saber de arquétipos. Transmissão de luz (como de lâmpada, na gíria zen). Minha cultura, meu corpo: a Leonor sabia.
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[Álvaro Lapa, in Barulheira, & etc, 1982]

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