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A Cotovia, uma das melhores editoras portuguesas, está a comemorar os seus 20 anos e está de parabéns. Na semana passada (29-10-2008) saiu no Público esta entrevista a André Jorge, feita por Alexandra Lucas Coelho:
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“SOU FEITO DO AVESSO”
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A Cotovia faz anos. É uma pequena editora. Publicou 700 livros. Com muitos perdeu dinheiro. Com uns pagou outros. Perde tempo com todos, de Homero a guias de vinhos. O homem por trás dos livros preferia não ser visto.
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Há 20 anos, dois irmãos juntaram-se para editar livros. Pouco tempo depois zangaram-se, até hoje, mas a editora continuou. Agora, ao longo de Novembro a Cotovia vai comemorar com livros novos, cursos, palestras e leituras. Num volume que reúne textos de autores e colaboradores, Luís Miguel Cintra lembra que o nome mãe não é Editora Cotovia, mas Livros Cotovia, e “não será por acaso”.
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A Cotovia é a casa da Odisseia ou da Ilíada, mas também de dezenas de poetas, ficcionistas, ensaístas e dramaturgos contemporâneos, portugueses e traduzidos.
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Quando começou, era um tempo em que as livrarias ficavam com 30 por cento do preço dos livros. Agora as cadeias ficam com mais de 40.
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Volta e meia, André Fernandes Jorge, 63 anos, paga para editar.
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Esta é a segunda-entrevista-e-meia que dá na vida, e quanto a fotografias, o que ele gostava era que só aparecesse a gata Maravilhas. Porque a Cotovia é uma casa lisboeta com gata, chá e, conta quem lá trabalhou, pão-de-ló.
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Como é que a Cotovia começou?
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Resultou de conversas entre mim e o meu irmão [o poeta João Miguel Fernandes Jorge, JMFJ].
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Queriam fazer a mesma coisa?
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Queríamos, mas sempre tivemos alguma conflitualidade, que resulta de sermos irmãos, e os únicos irmãos. Talvez sejamos demasiado parecidos para nos podermos dar bem por tempos prolongados. E estou já a dizer isto porque dois anos depois nos zangámos, e uma zanga que perdura. Hoje somos homens com mais de 60 anos, civilizadamente conversamos quando é preciso, mas só por razões especiais. Isso eu lamento, mas a partir de certa altura as coisas são irreversíveis.
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O que fazia antes da Cotovia?
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Nada em particular. Tinha vindo da Guiné, onde estive como cooperante para a cooperação holandesa, dois anos e tal. E voltei a colaborar, como antes, nos negócios do meu pai. Ele tinha uma farmácia, onde praticamente eu não tocava, e depois uma série de actividades na vila, o Bombarral, estabelecimentos e alguma agricultura – coisa que nos passou sempre ao lado [a André e a JMFJ]. O fundamental nessa primeira fase da Cotovia foi a revista As Escadas Não Têm Degraus. O resto foi um pouco a medo.
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Revista que era feita pelo seu irmão, por Joaquim Manuel Magalhães e por António M. Feijó. Mas a editora era sua e do seu irmão?
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Exactamente. O Joaquim fazia parte, como faz parte da família. As Escadas… foram sempre feitas pelo meu irmão e pelo Joaquim. O António colaborou, mas a coordenação foi deles. Sendo que obviamente eu estava de acordo com as escolhas [dos autores e textos]. Não foi por isso que nos zangámos. Também não vou dizer porque foi. Já nem eu sei.
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Quais eram os seus autores? O que é que lhe interessava mais, poesia, ficção?
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Poesia, sobretudo. Na juventude, como muitos outros, fui muito sectário. Houve uma fase em que achei que só os surrealistas eram bons. Houve um período em que teve influência a vivência política, mas na literatura não tanto. Nunca vivi bem com o neo-realismo português. Os poucos que achava bons era porque tinham lido Camilo.
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Mas não está a pôr o Carlos de Oliveira nos neo-realistas.
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Nunca pus. Os mais neo-realistas eram mais ou menos medíocres, e os outros partiam dali para coisas boas. Mas quem me pôs a ler prosa, porque eu sou um bocado preguiçoso, foi de facto o Camilo, que me acompanhou, numa série de volumes, quando fui fazer o serviço militar para Angola. Levei uma biblioteca só Camilo. Leio-o de trás para a frente, é um autor que me dá sempre gozo ler, e se estiver extremamente cansado, sob pressão, que era o caso, não conseguia ler outras coisas. E, logo a seguir, um autor que foi sempre maltratado em Portugal, e que eu adoro, o Georges Simenon, sempre mal editado, com péssimas traduções.
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É muito mais francófono?
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Completamente, tive sempre um problema com o inglês.
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A ideia de várias colecções na Cotovia existiu desde o princípio?
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Sempre. Ficção, ensaio, poesia traduzida. Nos primeiros anos não havia poetas portugueses porque o meu irmão e o Joaquim eram dois poetas, publicavam noutro lado, não queriam publicar aqui e não queriam fazer escolhas.
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O André queria?
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A partir de certa altura achei que se devia começar. Mas é muito difícil e arriscado. Aparecem propostas de coisas muito frágeis, de imitação. Vi aqui muitos originais influenciados, sobretudo pelo Eugénio de Andrade. Creio que há alguns que querem ser influenciados pelo Herberto, mas dá asneira, é mais difícil de imitar. O Eugénio é um autor de que gostei muito nos primeiros livros e depois deixei de gostar. Mas influenciou tanta gente, mesmo na prosa.
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Qual foi o primeiro livro da Cotovia?
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Não saiu um só, mas o primeiro terá sido uma tradução da Christiane Rochefort, que saiu com tantas gralhas que não saiu. Foram 2000 livros guilhotinados. Lembro-me de os ter recebido, ia partir de fim-de-semana, e sentei-me na mesa de cozinha a ver. A dada altura fui buscar uma caneta e comecei a marcar. Quando cheguei ao fim do livro tinha centenas de gralhas. Felizmente nunca mais aconteceu. Perdemos muito tempo com os livros antes deles saírem, estamos sempre atrasados.
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Quando se dá a separação? Em 1991?
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Tenho ideia que sim.
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Pensaram acabar com a editora?
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Esse era o ponto de vista do meu irmão, que é muito mais de rupturas, qualquer coisa é para apagar, para riscar. E do Joaquim. Ele não fazia parte da editora, mas era uma presença desejada. Para além de haver amizade, havia admiração e respeito pelo poeta e intelectual. O resto é a zanga. Foi aí que o Joaquim não quis que a revista continuasse, e que não saísse um livro dele [de poemas, que estava em provas]. Continuei sozinho. Eu tinha vontade. Também me tinha entregue completamente a este trabalho.
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Descobriu que era a sua coisa.
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Era, se calhar não podia voltar a trás, já tinham passado 40 anos. Tenho 63 hoje.
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Perdeu autores?
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Não.
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Os autores africanos foram coisa sua?
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Foram. Comecei por publicar um autor que já não publico, o Manuel Rui.
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Por motivos políticos [acusações de envolvimento no 27 de Maio de 1977 em Angola, quando retaliações do MPLA levaram a milhares de mortos]?
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Não! Nunca segregaria um autor por motivos políticos. Por motivos pessoais.
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Não tem a ver com o 27 de Maio?
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Não, absolutamente, e tenho dúvidas quanto a acusações que lhe são feitas. São questões pessoais. Aquela ideia do porreirismo lusófono acho que só prejudica.
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No livro comemorativo da Cotovia, Não Será Por Acaso, várias pessoas dizem que só publica o que gosta e lê tudo o que publica. É assim?
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Quase. Originalmente não leio em inglês nem em alemão. Leio através do francês, raras vezes através do castelhano. Mas portugueses, brasileiros sempre. No inglês tenho uma ajuda excepcional, porque a Cotovia tem outra editora, a Fernanda Barros. Algumas áreas que desconheço, como os autores da colecção Raposa, aquele romance tradicional inglês, a colecção Outono-Inverno [sobre a velhice] são escolhas da Fernanda. O que não decidimos aqui perguntamos a amigos.
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Recebe muitos originais?
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Sim, é uma depressão. São dezenas por mês. Há meses em que chegam diariamente.
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Sobretudo poesia?
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Já não. Mas talvez ainda seja maioritária. O resto é ficção. Na poesia continua a ser o adolescente. Na prosa, apareciam muito as recordações da guerra colonial, e donas de casa que, criados os filhos, escrevem as suas memórias. Hoje são predominantes os jovens em que se cria a ilusão de que têm um lugar na literatura, que nos cursos de literatura aprendem algumas técnicas.
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Publicou autores chegados pelo correio e que ninguém lhe tivesse recomendado?
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Sim. Mas muito raro. Um foi o José Pinto Carneiro [autor de O Estranho Caso da Boazona que Me Entrou Pelo Escritório Adentro], que depois não publicámos mais.
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Não correspondeu às suas expectativas.
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De maneira nenhuma. Esgotou rapidamente. A Teresa Veiga não veio pelo correio, mas veio pessoalmente e desapareceu. Não a conhecia de parte nenhuma.
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Mas é complicado dizer que não.
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É muito difícil e geralmente digo da pior maneira. Ando tanto tempo para dizer não que as pessoas têm uma justificação para estar zangadas, se era para dizer não podia ter dito logo. É por isso que eu digo que é uma depressão, fico mesmo angustiado com a carrada de originais.
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Já lhe aconteceu enganar-se? Recusar e perder um autor interessante?
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O caso a que não prestei devida atenção, por estar num período complicado da vida, foi o do José Eduardo Agualusa.
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O que teve dele que não publicou?
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A Estação das Chuvas.
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Quem gostava de editar?
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Alguém que certamente não me queria como editor, o Lobo Antunes, gosto bastante.
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Porque é que ele não havia de o querer?
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Não sei, ou nem eu o queria. Com aquele feitio dava asneira. Gosto muito da escrita dele, como gosto do Mário de Carvalho. Há um autor a que não dei a atenção devida, e de quem tive originais, é verdade.
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O Gonçalo M. Tavares?
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É verdade. Estiveram aqui O Livro da Dança, Um Homem Ou é Tonto Ou é Mulher e um terceiro. Eram registos completamente diferentes e eu estupidamente irritei-me com aquilo. Pareceu-me que havia presunção. E esta decisão foi influenciada. Houve uma pessoa por quem tenho estima que me fez chegar os originais, pessoa essa que tinha um cargo com relativo poder. Isso para mim é mortal. É que não consigo descolar.
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É muito avesso ao poder, não é?
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Sou feito do avesso.
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O braço-de-ferro que fez com a Bertrand… [em que para não cederem a margens altas de lucro para o livreiro, os Livros Cotovia deixaram de vender em todas as Bertrand].
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É uma teima.
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Uma editora como a Cotovia tem muito a perder em não estar numa cadeia com livrarias em cada capital de distrito.
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São 50 e tal.
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É preciso coragem. Como é que pode fazer isso?
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Não sei se é coragem ou teimosia. Custou-me caro, evidentemente.
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Isso significa o quê?
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Nos últimos tempos acabámos com a distribuição própria. E a razão principal é que não consigo dialogar com pessoas arrogantes e agressivas. Custa-me tanto pôr uma gravata como aturar um idiota que do alto da sua função tenta esmagar – “Este vem aqui porque precisa de vender, então vou impor as regras.”
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Isso é um retrato do mercado editorial hoje?
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Pelo menos daquele que mais me cega. Incomoda-me muito. E também o discurso da cultura dos agentes do livro. Acho péssimo invocar o nosso trabalho como cultural. Isso é usado sobretudo quando querem favores do Estado. Tanto somos agentes culturais como económicos.
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A poesia continua a vender como sempre vendeu?
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A poesia, algum teatro, são estáveis. 500/600 exemplares. Vendem-se durante anos, não esgotam
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Alguma vez reimprimiu um livro de poesia portuguesa?
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Não
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O mercado mudou muito em 20 anos. O caminho é este, editoras pequenas, que fazem o que gostam, para leitores estáveis?
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Esse caminho vai continuar. Há uma vulgarização da leitura e dos livros. Edita-se e vende-se mais, mas não estou a falar de literatura. Não concordo que estejam a fazer leitores. Estão a fazer aqueles leitores, ficam feitos, não têm nada a ver connosco. O que esperamos é que algumas livrarias possam sobreviver e especializar-se. Quando houver umas quantas com uma determinada orientação, como nós temos… Que uma Pó dos Livros [em Lisboa] sobreviva. Que Braga mantenha a Centésima Página, que Leiria tenha uma Arquivo…
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Tem funcionado bem a BI [colecção de bolso para a qual se juntaram a Cotovia, Assírio & Alvim e Relógio D’Água]?
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Razoavelmente. Foi muito bem recebida. Tivemos um stand na feira do livro de Lisboa – a pior feira de sempre – e correu bem. Com cerca de 40 livros editados, tudo com preços baixos, mesmo em vendas vendeu tanto como um stand normal das nossas editoras. Até ao fim deste mês teremos 60 livros.
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Isso é possível por serem amigos?
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Não. Não somos amigos. Sou amigo do Manuel [Rosa, editor da Assírio] há muitos anos, mas não é nada fácil. Todos temos feito um bom esforço. Somos individualistas. Eu e o Francisco [Vale] não tínhamos sequer relações. Cortei, desde o momento em que ele recebeu o meu irmão e o Joaquim como editor. Mas não ficaram reservas e o Francisco é de todos nós o mais lúcido, se calhar, o mais arguto. O Manuel tem a habitual dedicação, trabalhando como um louco, responsável por todas as capas e grafismo, e não dá a terceiros. Executa, mesmo que seja às três da manhã. Agora, não é por sermos amigos que nos juntámos. Percebemos que é preciso fazer alguma coisa para não perder de todo a visibilidade.
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Perde dinheiro com muitos livros?
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Sim, uns pagam os outros. À partida tenho a esperança de pagar os custos, mas nem sempre acontece.
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Como é que uma editora como a Cotovia consegue contornar isso?
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Trabalhamos muito por pouco dinheiro. Primeiro, pagamos mal aos colaboradores e recebemos mal. E tenho recorrido a dinheiro pessoal para suprir certas situações, desde sempre. Não é todos os anos, mas este ano foi um desses. Mas há anos que compensam. Não se pode é estar nesta actividade sem capital. É preciso de vez em quando insuflar.
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A Cotovia faz anos. É uma pequena editora. Publicou 700 livros. Com muitos perdeu dinheiro. Com uns pagou outros. Perde tempo com todos, de Homero a guias de vinhos. O homem por trás dos livros preferia não ser visto.
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Há 20 anos, dois irmãos juntaram-se para editar livros. Pouco tempo depois zangaram-se, até hoje, mas a editora continuou. Agora, ao longo de Novembro a Cotovia vai comemorar com livros novos, cursos, palestras e leituras. Num volume que reúne textos de autores e colaboradores, Luís Miguel Cintra lembra que o nome mãe não é Editora Cotovia, mas Livros Cotovia, e “não será por acaso”.
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A Cotovia é a casa da Odisseia ou da Ilíada, mas também de dezenas de poetas, ficcionistas, ensaístas e dramaturgos contemporâneos, portugueses e traduzidos.
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Quando começou, era um tempo em que as livrarias ficavam com 30 por cento do preço dos livros. Agora as cadeias ficam com mais de 40.
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Volta e meia, André Fernandes Jorge, 63 anos, paga para editar.
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Esta é a segunda-entrevista-e-meia que dá na vida, e quanto a fotografias, o que ele gostava era que só aparecesse a gata Maravilhas. Porque a Cotovia é uma casa lisboeta com gata, chá e, conta quem lá trabalhou, pão-de-ló.
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Como é que a Cotovia começou?
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Resultou de conversas entre mim e o meu irmão [o poeta João Miguel Fernandes Jorge, JMFJ].
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Queriam fazer a mesma coisa?
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Queríamos, mas sempre tivemos alguma conflitualidade, que resulta de sermos irmãos, e os únicos irmãos. Talvez sejamos demasiado parecidos para nos podermos dar bem por tempos prolongados. E estou já a dizer isto porque dois anos depois nos zangámos, e uma zanga que perdura. Hoje somos homens com mais de 60 anos, civilizadamente conversamos quando é preciso, mas só por razões especiais. Isso eu lamento, mas a partir de certa altura as coisas são irreversíveis.
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O que fazia antes da Cotovia?
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Nada em particular. Tinha vindo da Guiné, onde estive como cooperante para a cooperação holandesa, dois anos e tal. E voltei a colaborar, como antes, nos negócios do meu pai. Ele tinha uma farmácia, onde praticamente eu não tocava, e depois uma série de actividades na vila, o Bombarral, estabelecimentos e alguma agricultura – coisa que nos passou sempre ao lado [a André e a JMFJ]. O fundamental nessa primeira fase da Cotovia foi a revista As Escadas Não Têm Degraus. O resto foi um pouco a medo.
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Revista que era feita pelo seu irmão, por Joaquim Manuel Magalhães e por António M. Feijó. Mas a editora era sua e do seu irmão?
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Exactamente. O Joaquim fazia parte, como faz parte da família. As Escadas… foram sempre feitas pelo meu irmão e pelo Joaquim. O António colaborou, mas a coordenação foi deles. Sendo que obviamente eu estava de acordo com as escolhas [dos autores e textos]. Não foi por isso que nos zangámos. Também não vou dizer porque foi. Já nem eu sei.
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Quais eram os seus autores? O que é que lhe interessava mais, poesia, ficção?
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Poesia, sobretudo. Na juventude, como muitos outros, fui muito sectário. Houve uma fase em que achei que só os surrealistas eram bons. Houve um período em que teve influência a vivência política, mas na literatura não tanto. Nunca vivi bem com o neo-realismo português. Os poucos que achava bons era porque tinham lido Camilo.
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Mas não está a pôr o Carlos de Oliveira nos neo-realistas.
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Nunca pus. Os mais neo-realistas eram mais ou menos medíocres, e os outros partiam dali para coisas boas. Mas quem me pôs a ler prosa, porque eu sou um bocado preguiçoso, foi de facto o Camilo, que me acompanhou, numa série de volumes, quando fui fazer o serviço militar para Angola. Levei uma biblioteca só Camilo. Leio-o de trás para a frente, é um autor que me dá sempre gozo ler, e se estiver extremamente cansado, sob pressão, que era o caso, não conseguia ler outras coisas. E, logo a seguir, um autor que foi sempre maltratado em Portugal, e que eu adoro, o Georges Simenon, sempre mal editado, com péssimas traduções.
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É muito mais francófono?
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Completamente, tive sempre um problema com o inglês.
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A ideia de várias colecções na Cotovia existiu desde o princípio?
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Sempre. Ficção, ensaio, poesia traduzida. Nos primeiros anos não havia poetas portugueses porque o meu irmão e o Joaquim eram dois poetas, publicavam noutro lado, não queriam publicar aqui e não queriam fazer escolhas.
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O André queria?
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A partir de certa altura achei que se devia começar. Mas é muito difícil e arriscado. Aparecem propostas de coisas muito frágeis, de imitação. Vi aqui muitos originais influenciados, sobretudo pelo Eugénio de Andrade. Creio que há alguns que querem ser influenciados pelo Herberto, mas dá asneira, é mais difícil de imitar. O Eugénio é um autor de que gostei muito nos primeiros livros e depois deixei de gostar. Mas influenciou tanta gente, mesmo na prosa.
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Qual foi o primeiro livro da Cotovia?
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Não saiu um só, mas o primeiro terá sido uma tradução da Christiane Rochefort, que saiu com tantas gralhas que não saiu. Foram 2000 livros guilhotinados. Lembro-me de os ter recebido, ia partir de fim-de-semana, e sentei-me na mesa de cozinha a ver. A dada altura fui buscar uma caneta e comecei a marcar. Quando cheguei ao fim do livro tinha centenas de gralhas. Felizmente nunca mais aconteceu. Perdemos muito tempo com os livros antes deles saírem, estamos sempre atrasados.
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Quando se dá a separação? Em 1991?
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Tenho ideia que sim.
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Pensaram acabar com a editora?
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Esse era o ponto de vista do meu irmão, que é muito mais de rupturas, qualquer coisa é para apagar, para riscar. E do Joaquim. Ele não fazia parte da editora, mas era uma presença desejada. Para além de haver amizade, havia admiração e respeito pelo poeta e intelectual. O resto é a zanga. Foi aí que o Joaquim não quis que a revista continuasse, e que não saísse um livro dele [de poemas, que estava em provas]. Continuei sozinho. Eu tinha vontade. Também me tinha entregue completamente a este trabalho.
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Descobriu que era a sua coisa.
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Era, se calhar não podia voltar a trás, já tinham passado 40 anos. Tenho 63 hoje.
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Perdeu autores?
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Não.
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Os autores africanos foram coisa sua?
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Foram. Comecei por publicar um autor que já não publico, o Manuel Rui.
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Por motivos políticos [acusações de envolvimento no 27 de Maio de 1977 em Angola, quando retaliações do MPLA levaram a milhares de mortos]?
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Não! Nunca segregaria um autor por motivos políticos. Por motivos pessoais.
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Não tem a ver com o 27 de Maio?
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Não, absolutamente, e tenho dúvidas quanto a acusações que lhe são feitas. São questões pessoais. Aquela ideia do porreirismo lusófono acho que só prejudica.
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No livro comemorativo da Cotovia, Não Será Por Acaso, várias pessoas dizem que só publica o que gosta e lê tudo o que publica. É assim?
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Quase. Originalmente não leio em inglês nem em alemão. Leio através do francês, raras vezes através do castelhano. Mas portugueses, brasileiros sempre. No inglês tenho uma ajuda excepcional, porque a Cotovia tem outra editora, a Fernanda Barros. Algumas áreas que desconheço, como os autores da colecção Raposa, aquele romance tradicional inglês, a colecção Outono-Inverno [sobre a velhice] são escolhas da Fernanda. O que não decidimos aqui perguntamos a amigos.
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Recebe muitos originais?
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Sim, é uma depressão. São dezenas por mês. Há meses em que chegam diariamente.
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Sobretudo poesia?
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Já não. Mas talvez ainda seja maioritária. O resto é ficção. Na poesia continua a ser o adolescente. Na prosa, apareciam muito as recordações da guerra colonial, e donas de casa que, criados os filhos, escrevem as suas memórias. Hoje são predominantes os jovens em que se cria a ilusão de que têm um lugar na literatura, que nos cursos de literatura aprendem algumas técnicas.
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Publicou autores chegados pelo correio e que ninguém lhe tivesse recomendado?
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Sim. Mas muito raro. Um foi o José Pinto Carneiro [autor de O Estranho Caso da Boazona que Me Entrou Pelo Escritório Adentro], que depois não publicámos mais.
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Não correspondeu às suas expectativas.
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De maneira nenhuma. Esgotou rapidamente. A Teresa Veiga não veio pelo correio, mas veio pessoalmente e desapareceu. Não a conhecia de parte nenhuma.
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Mas é complicado dizer que não.
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É muito difícil e geralmente digo da pior maneira. Ando tanto tempo para dizer não que as pessoas têm uma justificação para estar zangadas, se era para dizer não podia ter dito logo. É por isso que eu digo que é uma depressão, fico mesmo angustiado com a carrada de originais.
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Já lhe aconteceu enganar-se? Recusar e perder um autor interessante?
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O caso a que não prestei devida atenção, por estar num período complicado da vida, foi o do José Eduardo Agualusa.
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O que teve dele que não publicou?
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A Estação das Chuvas.
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Quem gostava de editar?
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Alguém que certamente não me queria como editor, o Lobo Antunes, gosto bastante.
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Porque é que ele não havia de o querer?
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Não sei, ou nem eu o queria. Com aquele feitio dava asneira. Gosto muito da escrita dele, como gosto do Mário de Carvalho. Há um autor a que não dei a atenção devida, e de quem tive originais, é verdade.
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O Gonçalo M. Tavares?
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É verdade. Estiveram aqui O Livro da Dança, Um Homem Ou é Tonto Ou é Mulher e um terceiro. Eram registos completamente diferentes e eu estupidamente irritei-me com aquilo. Pareceu-me que havia presunção. E esta decisão foi influenciada. Houve uma pessoa por quem tenho estima que me fez chegar os originais, pessoa essa que tinha um cargo com relativo poder. Isso para mim é mortal. É que não consigo descolar.
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É muito avesso ao poder, não é?
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Sou feito do avesso.
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O braço-de-ferro que fez com a Bertrand… [em que para não cederem a margens altas de lucro para o livreiro, os Livros Cotovia deixaram de vender em todas as Bertrand].
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É uma teima.
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Uma editora como a Cotovia tem muito a perder em não estar numa cadeia com livrarias em cada capital de distrito.
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São 50 e tal.
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É preciso coragem. Como é que pode fazer isso?
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Não sei se é coragem ou teimosia. Custou-me caro, evidentemente.
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Isso significa o quê?
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Nos últimos tempos acabámos com a distribuição própria. E a razão principal é que não consigo dialogar com pessoas arrogantes e agressivas. Custa-me tanto pôr uma gravata como aturar um idiota que do alto da sua função tenta esmagar – “Este vem aqui porque precisa de vender, então vou impor as regras.”
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Isso é um retrato do mercado editorial hoje?
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Pelo menos daquele que mais me cega. Incomoda-me muito. E também o discurso da cultura dos agentes do livro. Acho péssimo invocar o nosso trabalho como cultural. Isso é usado sobretudo quando querem favores do Estado. Tanto somos agentes culturais como económicos.
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A poesia continua a vender como sempre vendeu?
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A poesia, algum teatro, são estáveis. 500/600 exemplares. Vendem-se durante anos, não esgotam
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Alguma vez reimprimiu um livro de poesia portuguesa?
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Não
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O mercado mudou muito em 20 anos. O caminho é este, editoras pequenas, que fazem o que gostam, para leitores estáveis?
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Esse caminho vai continuar. Há uma vulgarização da leitura e dos livros. Edita-se e vende-se mais, mas não estou a falar de literatura. Não concordo que estejam a fazer leitores. Estão a fazer aqueles leitores, ficam feitos, não têm nada a ver connosco. O que esperamos é que algumas livrarias possam sobreviver e especializar-se. Quando houver umas quantas com uma determinada orientação, como nós temos… Que uma Pó dos Livros [em Lisboa] sobreviva. Que Braga mantenha a Centésima Página, que Leiria tenha uma Arquivo…
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Tem funcionado bem a BI [colecção de bolso para a qual se juntaram a Cotovia, Assírio & Alvim e Relógio D’Água]?
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Razoavelmente. Foi muito bem recebida. Tivemos um stand na feira do livro de Lisboa – a pior feira de sempre – e correu bem. Com cerca de 40 livros editados, tudo com preços baixos, mesmo em vendas vendeu tanto como um stand normal das nossas editoras. Até ao fim deste mês teremos 60 livros.
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Isso é possível por serem amigos?
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Não. Não somos amigos. Sou amigo do Manuel [Rosa, editor da Assírio] há muitos anos, mas não é nada fácil. Todos temos feito um bom esforço. Somos individualistas. Eu e o Francisco [Vale] não tínhamos sequer relações. Cortei, desde o momento em que ele recebeu o meu irmão e o Joaquim como editor. Mas não ficaram reservas e o Francisco é de todos nós o mais lúcido, se calhar, o mais arguto. O Manuel tem a habitual dedicação, trabalhando como um louco, responsável por todas as capas e grafismo, e não dá a terceiros. Executa, mesmo que seja às três da manhã. Agora, não é por sermos amigos que nos juntámos. Percebemos que é preciso fazer alguma coisa para não perder de todo a visibilidade.
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Perde dinheiro com muitos livros?
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Sim, uns pagam os outros. À partida tenho a esperança de pagar os custos, mas nem sempre acontece.
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Como é que uma editora como a Cotovia consegue contornar isso?
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Trabalhamos muito por pouco dinheiro. Primeiro, pagamos mal aos colaboradores e recebemos mal. E tenho recorrido a dinheiro pessoal para suprir certas situações, desde sempre. Não é todos os anos, mas este ano foi um desses. Mas há anos que compensam. Não se pode é estar nesta actividade sem capital. É preciso de vez em quando insuflar.
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