27.5.09

João Bénard da Costa por Pedro Mexia (em 2005)

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J. Bénard da Costa, escritor
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Durante anos, João Bénard da Costa era apresentado como subdirector e depois director da Cinemateca. Recentemente, no rodapé das suas crónicas semanais, vem a designação "escritor". Uma designação que me parece certíssima.
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Desde que conheço textos de João Bénard da Costa, nas folhas e catálogos da Cinemateca e nas páginas de O Independente, que o leio como se lê um escritor alguém que apresenta um visão pessoal do mundo e que usa a linguagem de forma criativa. Basta recordar os ensaios sobre Nicholas Ray ou Ingmar Bergman, os artigos sobre Ava Gardner ou Senso, para perceber que se trata realmente de um escritor e não apenas de um crítico de cinema, muito menos de um arquivista de velharias em celulóide. Que se trata de alguém para quem "a vida" (a "biografia") e "os filmes" (a "arte") não são entidades distintas, mas mundos que se confundem de forma gloriosa. Além disso (e isso para mim não é indiferente), Bénard trouxe para o cinema uma específica sensibilidade católica, que impregna os temas "sagrados" e os temas "profanos" com a mesma aura de um inexprimível que anseia pela expressão. João Bénard da Costa é autor de algumas das melhores evocações do "catolicismo de sessenta", mas também de alguns dos melhores textos sobre Robert Bresson e certamente do melhor texto que conheço sobre Wynona Ryder.
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Actualmente, pelo que se vê nas crónicas semanais (no Público), o escritor vive em estado de beatitude estética. Bénard da Costa consegue ser praticamente o único cronista português (com António Lobo Antunes) que está fora da agenda. Bombas em Bagdad? Bénard escreve uma crónica sobre Tintoretto. Demissão do Governo? Bénard elogia Mântua. Eleições antecipadas? Bénard recorda uma página de Proust. E tudo isto com a memória sempre introduzindo nos textos ângulos pessoalíssimos, com uma linguagem cada vez mais conversada e lúdica. Os textos são longos, densos, cultos, carregados de referências, parecem uma afronta feita ao registo ligeiro (ou trivial) da imprensa. Nunca os consigo ler em papel. Imprimo o texto (na versão on-line) e leio depois, com calma, como se estivesse a ler um livro. Como se lê um escritor.
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[Pedro Mexia, Diário de Notícias, 04-02-2005]

1 comentário:

Unknown disse...

Conheci um pouco de Bérnard há pouco. Achei interessante!