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“Os grandes centros comerciais ou «shopping centers», como gostam de lhes chamar, para poderem existir, dada a sua enorme necessidade de espaço, instalam-se quase sempre nas periferias das cidades onde os terrenos serão mais baratos e os acessos viários «facilitados». Dirigindo-se à classe média-baixa motorizada, acampam ao lado das grandes auto-estradas urbanas (onde o barulho talvez seja já ensurdecedor para a especulação continuar a apostar em habitação) e assediam as autarquias, que com enlevo os disputam, com a promessa de melhoramentos automobilísticos de toda a espécie: túneis directos às suas caves de estacionamento, passagens aéreas pedonais para levar e trazer clientes entre as duas margens das vias rápidas, ramais paralelos, às vezes inteiras faixas novas com que põe a cidade ao seu serviço, fingindo beneficiá-la.
Os ditos «shoppings», depois de se posicionarem onde os compradores possam rapidamente chegar de carro para confortavelmente transportarem, eles próprios, o sem-número de inutilidades a que não saberão resistir, tentam estabelecer, depois, no seu interior, uma falsa e pouco contrastada imitação de uma «cidade-ideal».
A «cidade-ideal», para os cérebros inventores destas «máquinas de consumo», cuja imaginação não vai mais longe do que um passeio à Disneylândia ou aos parques temáticos dos arredores de Barcelona, é uma cidade já só de peões (primeira contradição), com corredores a fazerem de ruas, à volta dos quais se posicionam as lojas da globalização, por dentro de um enorme contentor ou barracão mais ou menos «festivo», de clima condicionado e permanentemente vigiado.
É o que Paul Goldberger (num artigo de 1996, intitulado «The Rise of the Private City») chama «ambientes urbanóides»: ambientes controlados, fechados e fortemente privados que pretendem fazer passar-se por espaços públicos. A cidade verdadeira, o verdadeiro «espaço público», é um território de grande liberdade e de imprevisto, de alguma dureza às vezes, de contrastes (de clima e de cheiros), de confrontos entre raças e classes, géneros e idades.
A cidade do consumo não. O «shopping» começa por controlar os indesejáveis. Jamais veremos, num centro comercial, grupos de garotos pretos ranhosos em correrias, por exemplo, ou ciganas a vender atoalhados, um carrinho de castanhas a sério, os gritos dos feirantes. O sol que entra pelas clarabóias pouco nos aquece, não bafejamos o ar frio em frente no Inverno, não fugimos à chuva em busca de um café. Não fotografamos nunca alguma coisa que nos agrade (primeiro, porque nada nos agradará e, depois, porque são proibidas (!) as fotografias num «centro comercial»). A própria alegria é formatada, entre os filmes americanos a cheirar a pipocas e as tecnológicas «máquinas de diversão» de inspiração belicista, entre os brinquedos convencionados («barbies» e consolas) e as sucessivas invenções dos vendedores, sem nenhuma espécie de ligação ao conjunto das festividades mais ou menos tradicionais (Dias dos Pais e das Mães, de São Valentim, de Bruxas e Halloweens, de Reis). A cidade do consumo é também higiénica: batalhões de limpeza mantêm irrepreensíveis os mármores em mosaicos dos seus pavimentos, os vidros transparentes das suas montras. Lá dentro, o tempo não passa; não se envelhece, não se adoece, não se espirra, não se cresce, não existem crises. Vigiados, protegidos, afastados dos pobres, dos drogados e dos delinquentes, poderemos viver o sonho de sermos ricos, de consumirmos, de sermos materialmente muito felizes. A «cidade dentro da cidade», os seus vigilantes, as suas câmaras tomam conta de nós.”
[…]
“Mas existem outras coisas. Existem ruas (centros) comerciais a sério, com céu verdadeiro, com ar verdadeiro, com chuva ou neve verdadeira. E existem tendas e becos e mercados e explosões de fogo-de-artifício e vendedores ambulantes e produtos frescos e flores ou roupa directamente da fábrica, com defeito. E eléctricos e barcos e carros e passeios e árvores e escadarias a unir isto tudo.
A cidade (verdadeira) é complexa, multifuncional, colorida, vária, arriscada, surpreendente. A imitação comercial, que tanto fascina a classe média, é só um sufoco «seguro».”
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[Manuel Graça Dias, Actual (suplemento do Expresso), 15-01-2005]
Os ditos «shoppings», depois de se posicionarem onde os compradores possam rapidamente chegar de carro para confortavelmente transportarem, eles próprios, o sem-número de inutilidades a que não saberão resistir, tentam estabelecer, depois, no seu interior, uma falsa e pouco contrastada imitação de uma «cidade-ideal».
A «cidade-ideal», para os cérebros inventores destas «máquinas de consumo», cuja imaginação não vai mais longe do que um passeio à Disneylândia ou aos parques temáticos dos arredores de Barcelona, é uma cidade já só de peões (primeira contradição), com corredores a fazerem de ruas, à volta dos quais se posicionam as lojas da globalização, por dentro de um enorme contentor ou barracão mais ou menos «festivo», de clima condicionado e permanentemente vigiado.
É o que Paul Goldberger (num artigo de 1996, intitulado «The Rise of the Private City») chama «ambientes urbanóides»: ambientes controlados, fechados e fortemente privados que pretendem fazer passar-se por espaços públicos. A cidade verdadeira, o verdadeiro «espaço público», é um território de grande liberdade e de imprevisto, de alguma dureza às vezes, de contrastes (de clima e de cheiros), de confrontos entre raças e classes, géneros e idades.
A cidade do consumo não. O «shopping» começa por controlar os indesejáveis. Jamais veremos, num centro comercial, grupos de garotos pretos ranhosos em correrias, por exemplo, ou ciganas a vender atoalhados, um carrinho de castanhas a sério, os gritos dos feirantes. O sol que entra pelas clarabóias pouco nos aquece, não bafejamos o ar frio em frente no Inverno, não fugimos à chuva em busca de um café. Não fotografamos nunca alguma coisa que nos agrade (primeiro, porque nada nos agradará e, depois, porque são proibidas (!) as fotografias num «centro comercial»). A própria alegria é formatada, entre os filmes americanos a cheirar a pipocas e as tecnológicas «máquinas de diversão» de inspiração belicista, entre os brinquedos convencionados («barbies» e consolas) e as sucessivas invenções dos vendedores, sem nenhuma espécie de ligação ao conjunto das festividades mais ou menos tradicionais (Dias dos Pais e das Mães, de São Valentim, de Bruxas e Halloweens, de Reis). A cidade do consumo é também higiénica: batalhões de limpeza mantêm irrepreensíveis os mármores em mosaicos dos seus pavimentos, os vidros transparentes das suas montras. Lá dentro, o tempo não passa; não se envelhece, não se adoece, não se espirra, não se cresce, não existem crises. Vigiados, protegidos, afastados dos pobres, dos drogados e dos delinquentes, poderemos viver o sonho de sermos ricos, de consumirmos, de sermos materialmente muito felizes. A «cidade dentro da cidade», os seus vigilantes, as suas câmaras tomam conta de nós.”
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“Mas existem outras coisas. Existem ruas (centros) comerciais a sério, com céu verdadeiro, com ar verdadeiro, com chuva ou neve verdadeira. E existem tendas e becos e mercados e explosões de fogo-de-artifício e vendedores ambulantes e produtos frescos e flores ou roupa directamente da fábrica, com defeito. E eléctricos e barcos e carros e passeios e árvores e escadarias a unir isto tudo.
A cidade (verdadeira) é complexa, multifuncional, colorida, vária, arriscada, surpreendente. A imitação comercial, que tanto fascina a classe média, é só um sufoco «seguro».”
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[Manuel Graça Dias, Actual (suplemento do Expresso), 15-01-2005]
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