21.1.10

Só há uma maneira de dizer as coisas, uma de cada vez

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“Fiz aqui há tempos uma coisa grave: joguei tudo por tudo, ou quase, num prefácio a uma tradução do Sade que foi apreendida no mesmo dia em que saiu. A PJ tomou conta do assunto. E este processo somado ao outro da Antologia Erótica (segundo consta, foi para o Tribunal Plenário. É uma honra para a gente, mais perigosa) e ao meu cadastro antigo deve dar, calculo, para uma estadia prisional confortável. Talvez me faça bem, talvez me desintoxique dos copos tintos. Também o livro agora editado pela Ulisseia [Crítica de Circunstância] é mais lenha para a fogueira e amanhã publico aqui um folheto para atiçar as chamas.
Alguns amigos meus acham que isto é loucura rematada; outros, acham que é admirável. E eu bem gostaria que eles em vez de terem tantas e desvairadas opiniões sobre a vida alheia, me dessem uma notita de vintes. É que, em pura franqueza, não acho uma coisa nem outra, sequer a média de ambas. A coisa é muito mais simples: faço simplesmente a minha obrigação de escriba. Anda por aí toda a gentinha a queixar-se, mas a fingir (não para de se publicar, gabarem-se uns aos outros em pandilha – que maravilha!), que
- não há liberdade de escrever
- não há editores com tomates (tenho 2, dois!)
as tipografias recusam-se para certos textos (verdade, nalgumas; mas tipografias é o que não falta). Pois quando tudo isto aparece e os temos, edições assim estão ao nosso alcance, e se um tipo vai em frente ou é maluco ou admirável. Não senhor, não é. Apenas lógico. Coerente. Outros, ainda, podem pensar que há muita maneira de se dizer a mesma coisa, por palavras veladas ou só sugeridas. Sugestivas metáforas, gentis eufemismos. Estão enganados ou são muito ingénuos ou cínicos e aldrabões. Só há uma maneira de dizer as coisas, uma de cada vez.”
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[Luiz Pacheco, carta a Aires Pereira, 07/04/1966, in 1 Homem Dividido vale por 2/Contraponto, D. Quixote/BN, 2009]

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