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o meu 25 DE ABRIL
o meu 25 DE ABRIL
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Estou na cama de manhã e aproveito para apontar na Agenda o tempo que passa. Tinha ficado na véspera em casa a rever provas. O puto fora para o liceu. Resolvo ir à rua beber uma cerveja e continuar a revisão. Ao pé do chafariz, o barbeiro atira com esta: «então, o Marcello e o Thomaz lá foram ao ar...» Não percebo logo. Nem acredito como. Mas ele confirma: a Emissora Nacional não funciona, só o Rádio Clube Português é que dá música e de vez em quando comunicados breves. Já mais convencido, convido-o logo a festejar na tasca da Laurentina que era para onde eu ia. E depois, ainda duvidoso, vou com ele à barbearia a ver se oiço algum comunicado. Música ligeira, sem nada de marcial. Canções populares portuguesas, pouco mais. (Até a Amália, parece-me!). Mas passados minutos um comunicado do Comando das Forças Armadas. Aí, adquiro a certeza que é, deverá ser a repetição do golpe das Caldas, mas com outra amplitude. Refere que o público tem ocorrido às lojas, em tentativas de açambarcamento, e manda fechar o comércio. Aconselha a população a manter-se nas suas casas e as forças militares e militarizadas a recolherem aos quartéis e não oferecerem resistência à tropa. A coisa é grave. Parece que não há comboios e para lá de Sete Rios não se passa. Tenho algum dinheiro e resolvo logo ir ver (foi o melhor que fiz: ver para crer). Desço acelerado e vou a casa do Fernando Paços, perguntar se ele sabe alguma coisa. Se sabe não diz. Mas confirma. Acompanho-o à farmácia de Queluz Ocidental e depois (ele aconselha-me que não vá a Lisboa, pois não conseguirei passar – mas eu conheço outro sítio para entrar, ou sair, da minha terra e caminho acelerado. Muitos carros, em fuga discreta?) para cá. Em Queluz, já vejo lojas fechadas, outras a fechar à pressa e uma data de tontos a abastecerem-se para o ano todo... oiço que um tal comprou mais de cem pães. Rica açorda (ou negócio) deve ter feito com eles. Cafés fechados. Há comboios. Meto-me num para a Amadora, depois sigo a pé. No Bairro do Bosque (sempre o intenso movimento de carros a saírem), ainda consigo meter um copo. Não há jornais. Rostos, com as janelas fechadas, assomem entre cortinas. Tudo me dá a ideia de receio (mas em Queluz vi alguns magalas a planar, o que me deixou intrigado). Venho a pé até às portas de Benfica e o ambiente é o mesmo: fila de carros a safarem-se, comércio encerrado, mulheres com sacos de plástico cheios, tensão. Meto-me num autocarro da Carris, de Benfica para o Chile e fico-me um tanto a rir do Paços, que em Lisboa e a andar para o centro já eu vou. No Chile, só uma taberna aberta: bebo mais um copo, estou nas lonas. Animação. Um tipo ao meu lado compra oito maços de Português Suave, também está a açambarcar ou a fumar aquilo diariamente habilita-se a um cancro nos pulmões em beleza e rápido. Aparece gente com jornais (A Capital) e sei que estão a vender para os lados do Império. Vou logo lá, sento-me num degrau e sei as primeiras notícias. Tá bem! Resolvo ir a casa do Henrique, ver se ele estará. Na Carlos Mardel, uma senhora num 1º andar pergunta-me onde vendem jornais. Digo e ofereço-lhe o meu. O marido, que vinha à rua, fica com ele e eu fico reduzido a 30$00. Começo com sede e angústias. Estou em jejum e já andei um bom bocado. Penso ainda ir ao Manaças (António) mas desde a última vez, desde a nossa última conversa, ele não me está a apetecer. E depois, o importante deve estar a acontecer na Baixa. Enfio ao Montecarlo (fechadíssimo) mas consigo topar um tipo a bater à porta da Mourisca (também fechada) e entrar. É que há gente. Vou, bato, o Costa Loiro está a forrar vidros por dentro com papel, talvez com receio dalgum obus. Peço-lhe vintes e ele despacha-me. Meto à Rua Viriato e vou até ao quartel de Santa Marta (todas as tascas fechadas até ali). Dá-me vontade de rir ver os cabeças de nabo reunidos lá dentro, a falarem uns com os outros (é que obedeceram às ordens?). Mas logo ao lado há uma tasca restaurante, porta meio aberta, com gente e muito movimento (guardas a beber, outro a telefonar para casa e sossegar a mulher (?), diz que não há azar). Bebo uma Sagres e como uma sandes. E avanço para a linha de fogo, que não sei onde é. Metros andados, ouvem-se ao longe tiros e rajadas de metralhadora. Tipos que fogem. Mas onde será o tiroteio? Como a coisa parou, continuo a andar. Até que encontro, já não sei onde, o Almeida Santos e um tipo que é revisor no Diário de Lisboa ou Popular, já não sei. Metemo-nos num táxi que sobe pela Calçada do Carmo. Mas logo populares avisam (ah, entretanto, perto do Tivoli, já tinha comprado um Diário de Notícias, com mais informes) que a rua está bloqueada. O carro faz marcha-atrás e mete (por onde?) para o Bairro Alto. Bebemos não sei o quê numa tasca, o revisor vai à vida, o Almeida Santos pira-se e eu avanço para os lados do Carmo. Na Rua da Misericórdia, muita gente, tropa e um tanque de respeito. Da janela da Redacção da República, o Vítor Direito e o Afonso Praça (aquele grita-me: «estás muito bonito hoje!», eu levava o sujíssimo albornoz que me deu o Artur), noutra varanda o Álvaro Belo Marques, a quem pergunto: «como é que se entra para aí?», porque a porta da escada da República está fechada. «Vai pelas traseiras!». Vou mas também está fechada e logo à esquina aparece um vendedor com a última da República. É um verdadeiro assalto. Aí fico a saber dos chefes (Costa Gomes e Spínola) e o alvoroço é enorme. Já não sei bem: se vim ao Rossio, se de repente notei uma grande correria para o Terreiro do Paço. Sem perceber nada do que se passa, sigo a onda. No Terreiro do Paço, começa a chover. Há correrias e encontro uma rapariga que me conhece muito bem mas não topo logo. É a Maria João, a engenheira química, amiga do Henrique, com outro rapaz. Ficámos abrigados da chuva debaixo das arcadas, depois convenço-os a irem beber um copo ao Terreiro do Trigo (Campo das Cebolas?), não sei já se estava aberto se não. Ela tem o carro no Camões e para aí vamos. Mas o Chiado está cheio de gente, que quer assaltar a Pide. Já não sei se ouvi tiros. Vi ainda as (uma?) ambulâncias, depois quase à porta da Brasileira um rapaz ou homem com a mão cheia de sangue (seco?), que tinha agarrado num rapaz ou rapariga. Começam a chegar fuzileiros, há mais correrias, a Maria João e o rapaz perderam-se de mim. Cheira-me que já chega. Agarro um táxi e arranco para casa da Ção. Pela TV vi depois o resto. Foi bonito e foi rápido. Já posso morrer mais descansadinho.
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[Luiz Pacheco, in Diário Remendado, Dom Quixote, 2005]
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