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Abel Pereira da Fonseca, 1929
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Passa depressa, pequena,
com as bordas da boca sujas de chocolate
e com um pouco de esperma
nas outras que à cona pertencem.
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Eu sei agora o que é ter nas mãos
um corpo de noventa e um anos,
desnudo, flácido e incapaz. É o corpo
que hás-de ter, moça luxuriante
- se não morreres entretanto, que é como sabes
Uma das inúteis hipóteses do teu destino absurdo,
Embora comas chocolates que te adoçam a boca
Mas menos a vida. O teu prezado clítoris
há-de um dia causar repúdio até a esses cães
que com tanto nojo afastaste.
O amor não interessa – porque passa.
E assim todas as coisas. Repara
como são incisivos os tonéis, pedindo-nos
o desespero, a lamúria fácil, o gesto
imperfeito (eu bebo dos tintos, se alguém
se vier a interessar pela minha biografia).
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Acabemo-nos já, como findam solenes
e contudo grosseiros o chocolate e o esperma
que em breve esqueceremos. É como te digo,
possuído por este vinho cruel que nenhum deus
me obrigou a beber e que por isso bebo:
passa depressa, pequena, e não cuides
que o amor é o nome de um bálsamo
ou uma flor para ti. E porquê para ti?
O teu destino foi corrompido
antes mesmo de nasceres, ainda que não o saibas.
Acautela-te da hérnia que te há-se ternamente
explodir, bem como do fluxo hemorroidal
que tanto te desfeará a rósea carne possessa.
Um cancro do pâncreas vale mais do que qualquer
axioma, mas não deixes de viver por causa disso.
A própria metafísica serve quando muito
para nela limparmos o cu.
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Passa apenas, minha pobre pequena
- e ensina-me se puderes
a passar eu também
ao encontro da minha morte.
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[Manuel de Freitas, in Os Infernos Artificiais, frenesi, 2001]
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