Temo às vezes que as árvores não pensem bem dos livros, que neles se vejam mortas. Depois lembro que os próprios seres humanos se consolam, prevendo as flores que hão-de nascer das suas cinzas. Posso então concluir tranquilamente que, quando as duas criações, plantas e escrita, ocupam um só espaço, isso se faz em pleno assentimento e harmonia.
Mesmo a palavra «feira» retoma o seu encanto de coisa medieval, desprotegida. Com mais um bocadinho de liberdade, existiriam cestos e pregões. As pessoas retomam os passeios do fim de tarde, como os há nos livros de Eça. E parece que saem desses livros. Se não ouvimos já o roçagar das vestes femininas pelo chão, podemos, no entanto, conhecer, por uma vez, esse rumor de gente, a exclamação de encontros inesperados. Será mesmo provável que as crianças se sujem ao rolarem sobre as ervas o que, para os lisboetas, começou a tornar-se difícil e precioso. O calor puxa os cheiros vegetais. E até a minha chuva, a mal amada, desce para criar simulacros de perigo, e as pessoas defendem as cabeças com os sacos das compras que fizeram. Deve-se isto à feliz inexistência de tectos e paredes. E não é uma dívida pequena.
A argumentação que mão me interessa, a da centralidade do lugar e do maior sucesso nos negócios, que a façam os peritos, os que vendem. Tendo eu, como a Lou Andreas-Salomé, dificuldade em distinguir livros de flores, sinto-me bem nesse lugar comum. O que vai ler caminha no jardim, o que vai caminhar passa entre livros.
Há uma ausência de especialização que vive aqui os últimos momentos e que queria durar um pouco mais.
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[in Os Livros no Parque, editoras Afrontamento, Antígona, Assírio & Alvim, Climepsi, Cotovia, Meribérica-Liber, Relógio D’Água e Teorema, 2004]
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