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Não Tirem os Livros dos Dias de Sol do Parque Eduardo VII
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Nas folhas uma luz pequena misturada com um pequeno vento – anotarmos coisas pequenas nas margens, nas ruas caladas que ladeiam a avenida propriamente dita, antes de continuar. Desviarmo-nos também algumas vezes – dobrarmos aquela nossa esquina (como quem dobra uma página, só mesmo na ponta, um tudo-nada) para não nos esquecermos de amanhã retomar outro caminho. Nos espaços onde faltam prédios inteiros espreitarmos contracapas e badanas, por assim dizer. Escolhermos belas epígrafes para as ruelas, as travessas, escadinhas e becos sem saída. E, para a avenida (que nem precisa de nome, diz-se «a avenida» e toda a gente sabe que é esta), pensarmos no mínimo um prefácio – frases simples de assobiar, onde pousem vírgulas parecidas com melros e uma metáfora de céu azul. No fim, cá em cima, contornamos o marquês e entramos na feira, chegando ao ponto do assunto, três pontos de exclamação.
Aí, então, deixarmos apenas que o acaso funcione, de modo que um livro entre na nossa vida, e depois outro, e depois outro. Eles – que, na voz de Caetano, «são como a radiação de um corpo negro apontando para a expansão do universo» - hão-de mostrar-nos tudo o que sempre soubemos mas nunca tivemos assim, fora de nós, na nossas mãos, posto em palavras – e isso atirar-nos-á para o fundo e para a frente, para sempre, para o sol.
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[in Os Livros no Parque, editoras Afrontamento, Antígona, Assírio & Alvim, Climepsi, Cotovia, Meribérica-Liber, Relógio D’Água e Teorema, 2004]
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