19.7.07

& etc n.º 1

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Meia dúzia de pessoas
e depois uma dúzia
e depois duas dúzias
resolveram
(bem pesados prós e contras)
pôr de pé
o quinzenário cultural
que hoje começa a publicar-se:
& etc de sua graça.
O título já vem de longe,
de um suplemento do «Jornal do Fundão»
que durou 26 números
e deu que falar.
Hoje, autónomo,
& etc não esquece o ilustre antepassado,
em certa medida seu progenitor,
nem omite o devido agradecimento
aos homens que lhe permitiram
o uso do nome.
Este nome é já de si
um programa:
a um conceito restrito de cultura
opõe & etc uma visão aberta
dos casos, factos, coisas
que justificam uma abordagem crítica
(e criativa)
fora do âmbito circunscritamente literário
e artístico,
se bem que sobre este incida
a sua maior atenção.
Quer dizer:
não se espante o leitor
se encontrar
ao lado de uma análise literária
um texto sobre moda masculina
(ou feminina),
outro sobre culinária,
outro ainda sobre uma equipa de futebol.
Os redactores do & etc
consideram que todos os assuntos e mais um
são passíveis de reflexão crítica
e tratamento cultural:
nem só de artes e letras vive o homem
que se quer civilizado
que é como quem diz, culto.
Já por aqui se poderá inferir
do carácter magazinesco
(não receemos a palavra)
deste quinzenário:
ao fim e ao cabo,
magazine,
quer só dizer
«publicação periódica e ilustrada
tratando vários assuntos».
A questão reside
na maneira como os «vários assuntos»
serão tratados,
maneira que engloba opções ideológicas
mais ou menos situadas
e as suas íntimas relações
com a prática de linguagens.
Neste plano
(diga-se desde já)
& etc não se poderá caracterizar
por uma férrea unidade:
os seus redactores e colaboradores
não constituem, em rigor, um grupo coeso
nos seus pressupostos ideológicos,
estéticos, linguísticos,
muito embora saibam reconhecer entre si
os suficientes denominadores comuns
para um trabalho conjunto
de que todos sentem necessidade.
Na fase de arranque
mais não se poderá esperar:
a unidade a haver
dependerá da própria prática,
dependendo esta, em boa parte,
daqueles leitores
mais activamente intervenientes
no processo aqui posto em marcha.
& etc não se pretende
susceptível apenas de interessar
a uns poucos iniciados:
tanto quanto possível,
a linguagem
como a organização dos assuntos
e o aspecto gráfico da revista
procurarão estabelecer
uma comunicação mais ampla
com um número mais amplo
dos seus leitores.
Assim & etc entende
a intervenção cultural:
empenhada, responsabilizada – mas aberta.
Meia dúzia de amigos
podem fazer uma revista programática,
espelho fiel das suas opções:
mais dificilmente farão duas,
muito mais dificilmente farão cinco
passado que for o entusiasmo inicial
e quando começarem a pesar
contrariedades de toda a ordem,
ausência de capital,
desorganização administrativa,
deficiência de distribuição,
falhas de colaboração, textos anulados,
o desgaste de um meio ambiente
pouco receptivo quando não hostil
– e também a pouca prática
de um trabalho constante e colectivo.
Furtando-se à ambição (legítima)
de revista programática
& etc quer permanecer:
sabe dos riscos, dos limites,
das dificuldades
– mas conta que o trabalho de muitos
possa alcançar o que poucos não conseguem.
A própria empresa proprietária da revista
é exemplo disso: é ela constituída
por quase três dezenas de sócios
(na grande maioria também redactores
que asseguram a direcção cultural),
todos em igualdade de capital
e todos por igual empenhados
no projecto comum.
Bem sabem todos eles
que a publicação de uma revista cultural
não é negócio:
pretendem contudo
estruturá-la de modo a poder resistir
à desconfiança e ao desânimo de muitos
– e a resistir,
número a número,
por muitos números.
Para tanto
e para já
existe um mínimo de capital,
um mínimo de organização,
um mínimo de eficiência na distribuição
(& etc não estará à venda
somente em Lisboa),
um mínimo de capacidade
de trabalho redactorial
(embora sem profissionalização),
um mínimo de confiança
na adesão dos leitores.
A soma destes mínimos é suficiente
para que & etc seja uma realidade
– realidade que não se pode aferir
por este primeiro número:
continua no próximo
e assim por diante.

[in & etc nº 1, 17/01/1973]

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