“O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pessoa – de uma só pessoa que seja – atrasa-me imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o contacto com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contacto é um contra-estímulo, se é que esta palavra composta é viável perante a linguagem. Sou capaz, a sós comigo, de idear quantos ditos de espírito, respostas rápidas ao que ninguém disse, fulgurações de uma sociabilidade inteligente com pessoa nenhuma; mas tudo isso se me some se estou perante um outrem físico, perco a inteligência, deixo de poder dizer, e, no fim de uns quartos de hora, sinto apenas sono. Sim, falar com gente dá-me vontade de dormir. Só os meus amigos espectrais e imaginados, só as minhas conversas decorrentes em sonho, têm uma verdadeira realidade e um justo relevo, e neles o espírito é presente como uma imagem num espelho.
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Pesa-me, aliás, toda a ideia de ser forçado a um contacto com outrem. Um simples convite para jantar com um amigo me produz uma angústia difícil de definir. A ideia de uma obrigação social qualquer – ir a um enterro, tratar junto de alguém de uma coisa do escritório, ir esperar à estação uma pessoa qualquer, conhecida ou desconhecida –, só essa ideia me estorva os pensamentos de um dia, e às vezes é desde a mesma véspera que me preocupo, e durmo mal, e o caso real, quando se dá, é absolutamente insignificante, não justifica nada; e o caso repete-se e eu não aprendo nunca a aprender.
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«Os meus hábitos são os da solidão, que não os dos homens»; não sei se foi Rousseau, se Senancour, o que disse isto. Mas foi qualquer espírito da minha espécie – não poderei talvez dizer da minha raça.”
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[Bernardo Soares, in Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 1998]
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