13.12.07

Pedro Mexia: entrevista ao Jornal de Letras (2005)

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A propósito de Vida Oculta (Relógio D'Água, 2004), Pedro Mexia foi entrevistado por Maria Leonor Nunes para o Jornal de Letras de 2 de Março de 2005. Aqui fica:
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UMA GEOGRAFIA DE MEMÓRIAS
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A concisão e a intensidade são para ele a essência da poesia. Recusa o romantismo, a palavra ao serviço de uma causa, a «lamechice», o registo «sentimental, sem freio» que em seu entender contamina muita da Literatura Portuguesa. Pedro Mexia, 32 anos, é um pessimista e usa a auto-ironia como uma espécie de contraponto. A sua poesia trava-se no território da memória, num registo autobiográfico, traçando o mapa de uma geografia pessoal que a um tempo revela os pontos de referência de uma geração. Vida Oculta, que acaba de editar, retoma esse trabalho quase «psicanalítico» – embora acredite mais no poder terapêutico da Literatura do que na Psicanálise – que já lhe deu títulos como Em Memória ou Avalanche. E sente que ainda tem que escrever mais um ou dois livros, para fazer esse «ajuste de contas» e ficar livre para outros versos.
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Jornal de Letras: Em Vida Oculta, regressa ao universo da infância, da adolescência, trabalhando sobre as memórias de uma educação católica e, de alguma maneira interroga a religião, mas não Deus. Porquê?
Pedro Mexia:
Deus é uma questão íntima sobre a qual não quero escrever, mas interessa-me falar do que é ter uma educação católica, da tábua feita tabuada. Sobretudo da forma como me marcou, sendo eu de uma geração que já é largamente descristianizada. Nesse sentido, eu sou um resquício histórico de um país católico, que cada vez menos o é. A minha relação com a religião não é de ruptura, mas de conflito, de ambiguidade, de sentimentos divididos.
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JL: Reincide num registo aparentemente autobiográfico. A poesia é uma forma de desocultação?
PM:
Não sei bem se se trata de uma desocultação ou de uma ocultação. O livro tem muitas afinidades com um anterior, Em Memória. Inclusivamente, há nele poemas que foram escritos há sete anos. São de matriz claramente biográfica, num ou noutro caso confessional, embora eu tenha algum problema com esse conceito. Mas mesmo nalguns desses poemas há elementos ficcionais. Interessa saber até que ponto a vida desocultada permanece oculta. Tudo depende também dos níveis de leitura. Há aliás, uma história engraçada: tenho um poema, no meu primeiro livro, chamado Os dez mil, sobre o episódio clássico, descrito por Xenofonte, e um dia, uma pessoa disse-me que tinha gostado muito do meu poema sobre os retornados do Ultramar, porque essa tinha sido a sua vivência.
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JL: Quer dizer que o carácter biográfico de um poema pode decorrer da biografia de quem lê?
PM:
Claro. Tirando casos extremos como dos que descem as Cataratas do Niágara e coisas do género, a maioria das experiências são perfeitamente reconhecíveis e partilháveis. Nesse sentido, cada pessoa lê num poema aquilo que tem a ver consigo. Por exemplo, quem teve uma educação católica pode reconhecer-se num dos meus poemas com essa referências. Porque independentemente do seu mérito, toca uma corda que lhe é sensível. Um dos logros da autobiografia é que, na verdade só tem força, quando toca na vida de quem lê. E num outro momento, podem ser experiências geracionais. Há nos meus poemas coisas que são mais imediatamente legíveis por pessoas da minha idade, aliás aqueles de quem, de um modo geral, tenho mais feedback.
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JL: Tem poemas longos, narrativos, que alternam com outros curtos em que há uma espécie de tentação aforística…
PM:
Gosto muito de aforismos. Porque estando dito o que há para dizer, tudo o resto está a mais. Sempre gostei dessa contenção. Essa é uma das coisas que mais me interessa na poesia. É também por isso que prefiro o conto ao romance, até porque me aborreço facilmente…
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JL: Por isso escreve tão pouco sobre romances?
PM:
Sim, e não porque os romances sejam compridos, como alguns dizem… Como tenho escrito essencialmente sobre a nossa literatura, a verdade é que não há muitos romances portugueses que me interessem. E seria perda de tempo escrever sobre um livro de que não gosto. A poesia portuguesa é incomensuravelmente superior ao romance. Claro que há grandes prosadores e romancistas, mas a linha de força da nossa literatura é a poesia. Em todas as épocas, pelo menos desde Garrett, houve cinco ou seis poetas de primeiro plano. E não sei se haverá cinco ou seis ficcionistas…
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JL: E acha que faz parte de uma nova geração de poetas?
PM:
Interessa-me mais saber se existe um certo tipo de referências e sensibilidades comuns a poetas nascidos na mesma época, do que saber se têm a mesma concepção de poesia ou gostam dos mesmos autores. Aliás aborrece-me que arrumem os poetas, que digam que Miguel Torga é telúrico, que David Mourão-Ferreira é erótico e Sophia da Grécia… O meu poeta favorito do século XX, pondo entre parêntesis o Pessoa, é o Vitorino Nemésio e é impossível dizer numa frase o que ele é. Talvez seja mesmo a dificuldade em arrumá-lo que faz com que não seja tão conhecido como devia ser… Sinto, de resto, que há sensibilidades de certas épocas. É tão simples quanto isto: quem gosta de música pop gosta mais do que eu escrevo do que quem não gosta. Nesse sentido, sou muito crente no conceito de geração e pouco no de geração e pouco no de geração literária.
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JL: O que essencialmente lhe interessa na poesia?
PM:
Duas coisas que, nos melhores casos, podem ser sinónimas: a concisão e a intensidade. É mais frequente na poesia encontrar momentos em que temos de largar o livro. Os primeiros poemas que li do Ruy Belo foram os últimos que ele escreveu e neles havia já um grande pressentimento da morte, sobretudo uma noção muito aguda da passagem o tempo. De tal forma que, durante anos, não o consegui ler. Os seus poemas tinham uma intensidade que me era insuportável. Talvez seja essa intensidade a razão pela qual fixamos versos e é, aliás, muito semelhante o interesse que tenho pela música pop. Sei muitas letras de canções, apesar de ter má memória, talvez porque marcam de uma forma lapidar, quase aforística… Há um filme em que um personagem diz que se não houvesse música pop não sabíamos nada sobre o amor. Ou seja, há certas experiências que estão ditas de uma forma memorável numa canção ou num poema e mais dificilmente num conto ou num romance.
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JL: Curiosamente, há em Vida Oculta referências a Ruy Belo…
PM:
O poema Os vencidos do catolicismo é um diálogo explícito com o poema de Ruy Belo. Claro que depois passou-me essa fase traumática e hoje é um dos poetas de que gosto mais e provavelmente aquele que mais influenciou os novos poetas portuguesas. E achei interessante esse lado de homenagem, assim como há referências a Cesariny. Gosto de as espalhar sem notas, pressupondo que as pessoas os conhecem. Também é tão pequeno o público de poesia… Mas dou-me bem com isso…
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JL: Porquê?
PM:
Porque a poesia é uma forma verdadeiramente livre de escrever, que não tem constrangimentos comerciais ou outros. Diz-se que se pode escrever como se ninguém fosse ler. E na poesia há mesmo o risco de ninguém ler. Não temos de ter a preocupação dos romancistas que têm um mercado, tops
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JL: Escreve sobre poesia, como aplica o sentido crítico aos seus próprios poemas? Faz um exercício de distanciamento?
PM:
Não sei se o consigo. Há poemas que não gostaria se não fossem meus, só que se impõe pela sua necessidade, ainda que sejam literariamente inferiores. Além disso, podem ser quase sempre melhorados. O poema está em construção.
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JL: E altera muito os seus poemas?
PM:
Agora, um pouco mais. Não tenho o domínio técnico que gostaria. Neste livro, por exemplo, já em provas, ainda mexi na divisão das estrofes. Aliás, a mudança de linha é uma das coisas que mais me interessa na poesia. É uma questão mecânica. Sinto cada vez mais que a oficina pode ditar a salvação ou o fracasso de um poema. Preocupo-me também com o fim dos poemas. Gosto de os acabar de forma disfórica. Sou um pessimista e acho que isso se nota.

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