A acompanhar a entrevista, que deixei aqui ontem, Maria Leonor Nunes traçou o seguinte perfil de Pedro Mexia (Jornal de Letras, 2 de Março de 2005):
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VIVER PARA ESCREVER
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Fora da escrita, as suas ambições são «abaixo da média», não indo muito além das expectativas burguesas de ter um tecto ou jantar bem. Não se lembra de ter querido mais do que escrever. E conseguiu o que era verdadeiramente «utópico»: viver só da escrita. Pedro Mexia, 32 anos, é um dos nomes emergentes da poesia portuguesa e uma das vozes de maior justeza, no domínio da crónica e da crítica literária. A escrita será a sua única utopia, já que carece em absoluto de fé em qualquer outra. Não acredita na bondade dos Homens nem das sociedades e assume o que já sabiam os egípcios, que «não há nada de novo debaixo do sol».
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É «inabalavelmente crente», apesar do «lastro» de conflito que lhe deixou uma educação católica. De berço conservador, afirma-se politicamente de direita e não se livra de isso vir sempre à baila, ainda que tenha «amplas provas dadas» de total isenção ideológica na escolha dos autores de que gosta ou sobre quem escreve. Acha mesmo «misterioso» que se atribua à esquerda a pertença dos valores culturais. Reconhece, no entanto, que há uma certa «incomodidade da direita com a cultura e da esquerda com a administração interna»: «É a ideia que os poetas são de esquerda e os polícias de direita». Mas nada disso tem para ele importância. .
O seu posicionamento político radica num cepticismo irredutível. Não vislumbra nada que não seja «suficiente menos». E esse modo de ver o mundo nem sequer está agarrado à política doméstica. A dada altura, teve um entusiasmo partidário, «quando houve a transição da geração de O Independente para o PP, via Paulo Portas». Mas rapidamente lhe passou esse assombro de optimismo. O último «fogacho» desse empenhamento político materializou-se no blogue A Coluna Infame, que criou como um espaço «alternativo de debate de ideias». Foi o mote para o aparecimento de outros blogues de discussão política. Mexia acabou por cansar-se desse modelo e hoje usa o seu blogue mais como um diário.
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Religião pop
Dificilmente, poderá evitar o «lugar comum» da infância como um «tempo privilegiado». Não guarda uma memória, nem sequer uma má imagem desse tempo. Viveu-o em Lisboa, onde nasceu em 1972. É filho único, mas a família era alargada e passavam férias na Figueira da Foz. O tranquilo «edifício» começaria a «vacilar» com a descoberta da morte e do sexo, como diz: «Toda a infância foi um período muito bom, pacífico, tanto quanto foi negativa a adolescência». Pelas «razões de catálogo» e, particularmente, por uma «insatisfação permanente». A tormenta entrou pela casa dos vinte: «Não sabia proteger-me e até relativamente tarde era fácil magoar-me. Hoje tenho uma carapaça»…
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Desde sempre viveu entre os livros. O pai, João Bigotte Chorão, é um amante e estudioso da literatura, tendo dirigido a editorial Verbo. A mãe, Maria José Mexia, trabalha na Torre do Tombo e lecciona na Faculdade de Letras de Lisboa. Pedro Mexia confessa não ter tido qualquer espécie de «doutrinação», mas cedo se interessou pelas palavras e soube que queria escrever. Andava pelos 17 anos quando o começou a levar à letra. Escrevia textos dispersos, pequenas histórias, fragmentos de um policial e poemas, que hoje classifica «do atroz ao mau»: «Era como aprender a andar». A escrita era uma forma de «expressão natural», atendendo ao seu carácter «reservado e solitário». Nessa altura, praticamente não tinha amigos. Estudou no Colégio Académico e limitava-se a ir às aulas e voltar para casa.
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A música pop foi então quase uma «conversão religiosa». Agarrou-o, até hoje. E manteve-se fiel a nomes como Leonard Cohen, Nick Drake, Joy Division ou, num destacado primeiro lugar, The Smiths: «o grau beatífico com que ouço um dos seus discos é incomparável a qualquer outra experiência». Morrissey foi para ele uma espécie de «modelo» sobretudo pelo «registo auto-depreciativo», uma forma de «escrever contra si próprio» que sempre cultivou. Tocava-o uma «mundividência depressiva», depois reforçada por uma «intensidade auto-destrutiva», com os Nirvana. Também o cinema o influenciou, tanto mais que a visão é o seu «sentido mais apurado». Paris, Texas, de Wim Wenders, é da sua particular afeição, também por ser «literário», escrito por Sam Shepard. Mexia, agora com a febre dos DVD, tem aliás necessidade de escrever sobre os filmes de que gosta. «A minha relação com o cinema e a música passa sempre pela palavra», sublinha.
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Fez o curso de Direito, na Universidade Católica, sem sombra de vocação. Meteu os códigos penosamente na cabeça, mas não teve futuro nas leis. Ficou-se pelo estágio. Entretanto começou a escrever no DN Jovem, passou depois à redacção, como jornalista. A convite de José Mário Silva, um dos seus grandes amigos, começaria a fazer crítica literária no suplemento DNA, em 1998.
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Por trás do biombo
Além da crítica e da crónica Ministério da Cultura, que actualmente assina no DN, Mexia é também cronista da Grande Reportagem. Gosta de as escrever e tem tido um feedback excelente. Enviam-lhe e-mais, e até o empregado do café, que frequenta há anos, no Verão passado começou a tratá-lo por Sr. Pedro.
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Mexia costuma anotar ideias sobre ideias, em sucessivos cadernos Moleskine. Essas anotações tomam depois forma, género, corpo escrito, nem sempre como inicialmente lhe ocorrera. Foi o caso de Genebra, o seu primeiro texto teatral, escrito para a peça Urgências, que as Produções Fictícias levaram à cena, no ano passado, no Teatro Maria Matos. A experiência agradou-lhe, também pela «perda de controlo sobre o texto», e está pronto a repeti-la. Tal como gostaria de experimentar o argumento de cinema e de desenvolver o formato de conto. Experiência «lateral», fora do texto, é a sua participação no programa Eixo do Mal, transmitido na Sic Notícias. «A televisão não é o meu meio», assevera. Em frente às câmaras mantém um low-profile, em contraste com os seus companheiros de eixo – Clara Ferreira Alves, Nuno Artur Silva, José Júdice e Daniel Oliveira – «mais afirmativos». «Eu levo o meu guião, sei o que quero dizer e não me afasto disso. Não gosto de interromper os outros, de entrar em picardias». Não é sequer, conforme confessa, «particularmente social e conveniente», sempre foi discreto e aprecia o anonimato mas não pode fugir ao facto do pequeno ecrã o ter tornado uma figura pública: «Ser conhecido pelo que escrevo, agrada-me, por aparecer na televisão, são os ossos do ofício, no caso, mais do ócio. Interesso-me apenas pelo que escrevo. Tudo o resto são distracções».
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Em 1999, publicou o primeiro livro de poesia, Duplo Império, a que se seguiram Em Memória (2000), Avalanche (2001), Eliot e Outras Observações (2003). E agora Vida Oculta. Neles se transfigura uma biografia esparsa, que parece afrontar a natureza discreta do poeta que não consegue «estar no mundo, nem escrever, sem um biombo». Um biombo por certo feito de palavras.
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