3.3.08

"Nas cidades, o conservadorismo é um pensamento precioso"

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Exemplar, a crónica de Clara Ferreira Alves no último Expresso, sobre o acto criminoso que é a anunciada destruição do Mercado do Bolhão, no Porto:
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O bolhão que se f...!
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EU GOSTO do Mercado do Bolhão, pedaço obrigatório do itinerário de qualquer campanha eleitoral. Apesar de todos irem lá mostrar os sorrisos às peixeiras do Bolhão, o Bolhão vai abaixo e as peixeiras que se f..., como diz uma delas. "E agora querem expulsar-nos daqui, f...-se!" Vamos lá ver, vamos lá ver se não. Se salvamos o Bolhão. As câmaras municipais, sobretudo as das grandes cidades, têm tendência para pensar que as cidades lhes pertencem e que se dobram aos seus desígnios. A participação dos cidadãos nas decisões de governo da cidade, e do governo dos bairros, é restrita e quase inexistente. A lassidão que entorpece os movimentos tem a ver com a mania de acharmos que compete ao estado resolver tudo e que nos limitamos a eleger funcionários políticos e a pagar impostos. Em Lisboa, é manifesto o desprezo dos lisboetas pela cidade, visível no modo como as ruas são tratadas como lixeira, cinzeiro do carro ou casa de banho canina. No modo como os parques e jardins são ignorados. No modo como os carros de fora da cidade invadiram a cidade e ocuparam todo o espaço disponível.
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Uma cidade tem de ser habitada e vivida por dentro e os mercados são uma parte histórica da vida das cidades. As cidades não podem ser dadas nem vendidas a quem dá mais, nem a troco de milhões e ideias de "progresso" podemos alienar património que é de todos. Em Lisboa, vimos o desfecho da história do Parque Mayer e do Casino da Expo, e dos milhões pagos pela Estoril-Sol que ninguém sabe muito bem onde andam e para que servem. Vimos como um edifício público foi vendido a privados depois de modificada a lei pelo Governo sem que a cidade beneficiasse. Perdeu-se um edifício e ganhou-se um casino. O Parque Mayer lá está, decrépito, sem Frank Ghery e com ervas daninhas.
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A lição do Parque Mayer e a da irresponsabilidade dos governantes não foi aprendida. No Porto, uma empresa holandesa propõe-se, com contrapartidas irrelevantes, um milhão de euros e um por cento dos lucros ao fim de 10 anos, ficar com a concessão do Bolhão por 50 anos e destruir todo o mercado deixando apenas a fachada, e "arrumando" os vendedores num andar como animais no zoológico, numa espécie de parque temático. Olhem e vejam o que era um mercado antigamente. O negócio é uma mina de oiro, lojas e habitação, estacionamentos, o costume. Mais um centro comercial onde já existem dois ou três, iluminados a luz branca, artificiais e clínicos, com as "franchises" do costume. Em Cascais, José Luís Judas decidiu tapar toda a frente marítima junto à estação de comboios instalando um mono na paisagem que é hoje um atentado civilizacional e patrimonial. Ninguém aprecia o mono, usam-no, apenas. Cascais, uma vila junto ao mar que podia e devia ter um mercado, ficou com mais um "shopping".
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Em Lisboa, os mercados vão também acabando, "reconvertidos". Veja-se a morte da Ribeira, que era um mercado belíssimo para ir de manhãzinha e uma tradição que devia ter sido preservada e recuperada. A Câmara devia ter gasto dinheiro a tentar fazer os que se fez em Barcelona com La Boquería e com outros mercados, revitalizando os pontos de venda, investindo na formação e nas estruturas, abrindo restaurantes e balcões de comida, ajudando à recuperação do mercado como ponto de encontro cívico e humano e lugar de felicidade. E onde seja possível comprar flores e produtos frescos e escapar ao mundo liofilizado do hipermercado. Na Praça do Príncipe Real, em Lisboa, funciona um pequeno mercado de produtos biológicos que é um sucesso, com pessoas que ali se encontram, abastecem, tomam café, lêem o jornal, almoçam, passeiam e trazem as crianças e os cães para brincar. São lugares como este que devem preocupar as câmaras, lugares ao ar livre, vivos e vividos, sem música engarrafada nem falsos passarinhos que pipilam nas árvores de plástico. Este é o modelo. La Boquería é um dos lugares mais visitados e desfrutados de Barcelona, e lembra um bazar do Oriente, aberto e simples, cheio de coisas para comer e beber. Os mercados ao ar livre do Cairo ou de Telavive, de Mumbai ou de Londres, existem para nos lembrar um modo de vida mediterrânico e oriental, autorizado pelo calor e o clima. E, mesmo num clima frio, os mercados resistem porque fazem parte da vida da cidade. A destruição das Halles, em Paris, para construir aquele deprimente e mal frequentado "shopping", foi um erro urbanístico e gerou arrependimento. Em compensação, no bairro do Marais, apostou-se no comércio em pequena escala e na gastronomia ao ar livre, nos cafés de passeio. Nas cidades, o conservadorismo é um pensamento precioso.
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Rui Rio tem governado até aqui como quis e muitas vezes contra a cidade. Se levar para a frente a sua intenção de se desfazer do Bolhão e assim autorizar a sua destruição, apesar do grande movimento cívico contrário, vai cometer o erro político da sua carreira. Pode ter a certeza de que a cidade perderá história e não ganhará progresso nem beleza. E a cidade não lhe perdoará. Terá o agradecimento da TramCroNe. Não chega. Com esta decisão, Rui Rio pode bem f...-se, com a devida licença e reticências. Tal como o Porto e o Bolhão.
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(foto tirada daqui)

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