30.6.08

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SABER VIVER É VENDER A ALMA AO DIABO
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Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
(«Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?»)
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.
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Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.
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Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.
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Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em «grande parva, que ele há tanto homem!»
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(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)
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Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...
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Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?
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Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!
Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.
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Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!
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E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...
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Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra morrer?
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Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés,
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!
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Les portugueux...
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...
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Dizes tu: - Já começou, porém, a racionalização do trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!
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Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...
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[Alexandre O´Neill, in Abandono Vigiado, 1960]

27.6.08

Porquê trabalhar?

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Quando alguns nos querem pôr a trabalhar 65 horas por semana (!), é a altura certa para ler Albert Cossery, desaparecido esta semana e que, recorde-se, está todo publicado na Antígona.
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No Público de hoje Ricardo Dias Felner escreveu um longo artigo sobre o escritor:
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Albert Cossery viveu a maior parte da vida em Paris, escreveu sempre em francês, mas o seu mundo era outro. Nascido no Cairo, retratou todo o saber ocioso dos marginais e pobres do seu país. A pergunta que decorre da sua obra é sobretudo uma: porquê trabalhar?
Por Ricardo Dias Felner
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Era um homem fora do seu tempo, derrotado pelo seu tempo, mas foi coerente até ao fim. O romancista egípcio de língua francesa Albert Cossery morreu esta semana, com 94 anos, e tudo aconteceu como havia desejado: um último suspiro no seu quarto do hotel Louisiana, na mítica Rue de Seine, em Paris, onde vivia desde finais da década de 40.
Numa altura em que os valores do trabalho, do profissionalismo, do dinamismo, do consumo e da tecnologia pulverizam o mundo, quase tudo o que o escritor representou foi sendo ultrapassado. Mas isso nunca o desviou da sua filosofia.
A indolência, a preguiça, o desprendimento material e político, a alegria dos bas-fonds, guiaram-no sempre. Como as personagens que criou, seus velhos conhecidos da cidade do Cairo, Cossery era capaz de viver a pensar, a observar, sem ter um projecto ou um objectivo imediato - sem uma ambição que não a do prazer e a da reflexão para lá do senso comum.
Também por isso só publicou oito livros (em Portugal, todos pela Antígona), um em cada dez anos. E também por isso cada um desses livros é uma pedra preciosa, de um rigor extremo no uso das palavras, sempre de uma elegância rara. O poeta e crítico literário Pedro Mexia e Júlio Henriques, um dos seus tradutores para português, são apenas alguns dos que lhe elogiaram a "invejável limpidez" e a "grande depuração" dos seus textos.
O próprio Albert Cossery não renegava este tipo de elogios. Era um autor ciente da sua qualidade, por vezes arrogante. E não gostava que a demora no seu processo criativo fosse usada para o desvalorizar: quem quisesse acrescentar algo de novo à literatura, quem tivesse horror aos lugares-comuns, não podia nem devia produzir em série.
Aos seus colegas adeptos de metas, metodologias e prazos - que diziam escrever "cinco páginas todos os dias" - acusava-os de redigirem "um texto qualquer", impublicável para os seus parâmetros. "Eu escrevo uma frase. Simplesmente, reviro-a vinte vezes para conseguir dizer alguma coisa", contrapôs, numa longa conversa com o realizador francês Michel Mitrani, que viria a ser editada em livro.
Apesar de não ser um autor pródigo, nem gostar do marketing e dos eventos literários, a sua obra tornou-se singular e foi traduzida em 15 línguas. Para além disso, Cossery criou um pequeno grupo de indefectíveis, que acompanharam o seu percurso desde o início e que se reconheceram no ambiente e na forma de estar que promovia. Luís Oliveira, editor da Antígona (que publicou em Portugal todos os seus livros), é um dos seus admiradores incondicionais. Conheceu-o em meados da década de 90 e recorda, das conversas no Café de Flore, em Saint Germain-de-Prés, onde o escritor se espreguiçava todas as tardes, "um homem que não dizia uma banalidade", mas que podia ser duro. "Quando alguma coisa não lhe agradava, fazia um olhar que gelava", lembra.
O editor foi um dos seus alvos. Sem qualquer diplomacia, para sublinhar a diferença de pensamento com Luís Oliveira, que sabia ser o seu único editor em Portugal, Cossery definiu-o certa vez como um "comerciante" e chegou mesmo a duvidar das suas qualidades. Luís Oliveira apenas lhe perguntara onde arrumava ele a sua biblioteca, visto viver num quarto modesto de um hotel modesto. O romancista respondeu-lhe: "Fique sabendo que guardo apenas entre 50 e 100 livros e que estão todos no meu quarto comigo. Se acha que existem mais de 10 livros por século que merecem a pena, então não deve continuar aqui a falar comigo".
Júlio Henriques, que fez a tradução de três dos seus livros (Mandriões no Vale Fértil, A Violência e o Escárnio e Mendigos e Altivos), e que também conversou por "três ou quatro vezes" com Cossery, confirma o seu mau génio. "Era simultaneamente muito agradável e muito intratável", diz. Uma das coisas que o aborreciam, recorda Júlio Henriques, era precisamente ter-se tornado numa personagem do bairro de Saint Germain-de-Prés, uma espécie de símbolo da vida boémia e excitante de Saint Germain-de-Prés. Continuava a frequentar os cafés, mas gostava de ficar apenas sentado a olhar a rua e a pensar, sem ser incomodado pelas "pessoas incongruentes" - leitores, escritores ou artistas - que frequentemente o abordavam.
Entre os amigos que fez, e com quem partilhou a noite de Paris das décadas de 40 e 50, encontravam-se Albert Camus, Henri Miller, Jean Genet ou Alberto Giacometti. Todos já mortos. Nos últimos anos, não era capaz de eleger um bom escritor, alguém que valesse a pena. "A Paris dos últimos anos já não lhe dizia nada", conclui Júlio Henriques.
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Contra a militância
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Albert Cossery nasceu no Cairo, filho de um proprietário literato e de uma mãe analfabeta. Aos 18 anos, começou a escrever - em francês, língua usada no Egipto naquela altura pela classe média - e as suas primeiras novelas, publicadas em revistas, já reflectem o imaginário do povo ocioso e pobre do seu país.Com 32 anos, com o pretexto de se ir formar, viaja então para Paris. Mas nunca esquece o povo e o ambiente do seu país; nunca esquece o seu tema de sempre. Os oito livros que escreveu (sete dos quais já em Paris) tinham todos o Egipto como cenário e os seus habitantes como actores.
Henry Miller veria logo na colectânea seminal Os Homens Esquecidos de Deus o ideário que o autor iria defender até à sua morte. Num ensaio elogioso, que apresentou o escritor egípcio à vanguarda artista da altura, seria o primeiro a elogiar e a perceber a coerência da filosofia cosseriana da preguiça. Daí em diante, todos os heróis criados pelo escritor egípcio eram preguiçosos.
Estes miseráveis espirituosos, movidos pelo prazer e pelo sono, não deveriam, contudo, ser confundidos com idiotas amorfos e vazios. "Há a preguiça do homem que reflectiu e a preguiça dos idiotas." "Um preguiçoso inteligente é alguém que reflectiu acerca do mundo em que vive. Não se trata, pois, de preguiça. É tempo de reflexão. E, quanto mais preguiçoso fores, mais tempo tens para reflectir", concretizaria, em 1995, no livro de Mitrani Conversas com Albert Cossery.
A ideologia que perpassa nos seus livros e na sua forma de vida nunca assumiu, contudo, contornos panfletários: o escritor nunca quis doutrinar ninguém. É verdade que a propensão libertária, o seu desprezo pela autoridade - sobretudo política e policial -, bem como a crítica implícita ao capitalismo e ao materialismo, o poderiam situar em movimentos anarquistas ou comunistas. Mas não há nos seus textos qualquer resquício de militância, apenas pessoas que pensam diferente, que vivem num mundo diferente, personagens coerentes no seu mundo coerente, que transformam cada história numa história que vale por si, passível de ser devorada por qualquer leitor descomprometido farto de enredos e sociedades de telenovela.
Em A Violência e o Escárnio, aliás, Cossery trata de esclarecer tudo isto. Lido como uma crítica à militância comunista, o livro mostra a receita para combater o autoritarismo. A certa altura, Heikal aconselha o subversivo Taher a não agir com violência - porque isso seria levar os tiranos a sério, seria contribuir para o seu prestígio - mas a vencê-los "no seu terreno", o terreno da "palhaçada", escarnecendo-se das suas atitudes. Cossery explicaria que "as pessoas que praticam o escárnio nunca manifestam raiva seja contra quem for. Divertem-se na vida. Tudo os diverte, até mesmo as guerras". E que essa era a razão pela qual os seus conterrâneos eram pessoas alegres, "um povo pacífico", onde existia "muito pouco ódio entre as pessoas".
No livro As Cores da Infâmia, o autor daria um retrato vivo, magnífico, dessa ideia. "Impermeável ao drama e à desolação, esta chusma de gente carreava uma espantosa variedade de personagens pacificadas pela sua ociosidade; operários sem trabalho, artesões sem clientela, intelectuais desinteressados da glória, funcionários administrativos expulsos das repartições por falta de cadeiras, diplomados das universidades vergados ao peso da sua ciência estéril, enfim, os eternos trocistas, filósofos amorosos da sombra e da quietude que dela emana, para quem a deterioração espectacular da sua cidade tinha sido especialmente concebida para lhes aguçar o sentido crítico."
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A escrita polida
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Só uma coisa pode, no entanto, perturbar até os espíritos menos preconceituosos na obra de Cossery. Em nenhum dos seus textos, ele se refere a uma relação normal com uma mulher normal. As mulheres que encantam as suas personagens são sempre adolescentes, raparigas meigas e prestáveis, frequentemente prostitutas.
Júlio Henriques arrisca caracterizar o escritor como um misógino, mas Albert Cossery nunca abordou com ele, nem com ninguém, de forma profunda e pública, o assunto. A Michel Mitrani diria apenas, comentando o desinteresse de Rafik, personagem de Mandriões no Vale Fértil, perante uma mulher desnuda: "O sono ocupa-o mais do que o desejo. É algo que também me acontece a mim, isto é, as mulheres que amo cansam-me. Ser simpático, indulgente, durante três ou quatro horas torna-se cansativo."
Nada disto deve, no entanto, desmerecer Albert Cossery. Até porque seria redutor, injusto e pouco rigoroso, sublinhar apenas a mensagem ou o tema dos seus livros. A escrita de Cossery, o seu estilo próprio e cuidado, vale por si. A sua linguagem é culta, adjectivada e erudita sem ser rebuscada nem supérflua: a palavra certa, no momento certo. Acresce um ritmo perfeito, o encadeamento das frases, quase sempre curtas, sem um entrave; e personagens extraordinárias, fundas, compondo histórias mirabolantes e surpreendentes. Por outro lado, a ironia do princípio ao fim dos livros, o sarcasmo, o humor negro e subliminar a cada página.
Sigamos, por isso, o princípio do prazer de Cossery. Leiamos os seus livros devidamente descansados. Sejamos preguiçosos.

26.6.08

Mouraria: afinal ainda não foi desta

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«O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, achou uma "excelente ideia" a proposta das vereadoras dos Cidadãos por Lisboa (CPL) para a reabilitação do bairro histórico da Mouraria, mas acabou por reprová-la juntamente com os outros vereadores socialistas e a restante oposição, à excepção dos autarcas do movimento Lisboa com Carmona (LCC), que se abstiveram.
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[Notícia do Público de hoje]

25.6.08

Mouraria

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"São edificações antigas, encravados numa das sete colinas, mais exosqueletos que casas, com chapéu de zinco e poleiro de pombos." (...) "prédios descarnados até ao miolo com a ruína suspensa pelas escoras ferrugentas que lhes alfinetam as entranhas."
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No Público de hoje pode lêr-se uma reportagem de Catarina Prelhaz sobre o bairro da Mouraria e os níveis de degradação extrema a que chegou. Tudo isto a propósito de uma proposta dos Cidadãos por Lisboa que vai/foi hoje a reunião de câmara. Será que é desta?

23.6.08

"Se um determinado livro não tiver sobre o leitor um tal impacto que no dia seguinte ele deixe de ir ao emprego, esse livro nada vale."
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[Albert Cossery em entrevista que se encontra no final de Mendigos e Altivos]

Albert Cossery (1913-2008)

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Morreu ontem, aos 94 anos, o escritor egípcio Albert Cossery. A viver em Paris desde os anos 40, Albert Cossey escreveu apenas 8 livros (7 romances e uma colectânea de novelas), todos eles exaltando a indolência, a reflexão, a preguiça e uma profunda rejeição do trabalho e da civilização moderna ocidental.
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Em Portugal está publicado na Antígona.

22.6.08

Av. da República (e imediações) à espera do fim

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O Paulo Ferrero, do Cidadania LX, tem estado a fazer um excelente trabalho ao assinalar uma enorme quantidade de belíssimos edifícios na Av. da República e nas suas imediações que têm já a sua demolição aprovada ou vão a caminho disso ou então estão à espera de sofrer obras que previsivelmente os vão barbarizar por completo (ampliações, demolições do interior, etc.).
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Esta aliás é uma zona da cidade onde a destruição do património existente, substituido por edifícios em geral deploráveis, tem sido uma constante nos últimos anos. Cada vez mais se está a tornar uma zona feia, agressiva, cheia de automóveis a circular em alta velocidade e edifícios de escritórios incaracterísticos. É urgente, por isso, que seja feita pressão para tentar salvar o que ainda é possível.
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Aqui ficam os edifícios em destaque no blog:
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Avenida da República, Nº 46.

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Vieira da Silva e Mário Cesariny

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A Assírio & Alvim lança na próxima semana Correspondências — Vieira da Silva por Mário Cesariny, livro com com reproduções de obras e cartas de Mário Cesariny, Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes.
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No blog da editora é apresentado assim:
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"Assinala-se este ano o centenário do nascimento da pintora portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992). Com este livro, procuramos fornecer uma visão (até agora pouco conhecida) desta artista: a de Mário Cesariny. Assim, o presente volume vem dar conta da amizade que uniu o surrealista e o casal Arpad Szenes – Vieira da Silva. Por meio de fotografias, obra pictórica e correspondência trocada entre os três artistas, é testemunhado o grande afecto e admiração que trocaram. O casal e a sua produção artística estão fortemente presentes na obra de Cesariny: este pintou-os, estudou-os, escreveu-lhes poemas e até uma obra: Vieira da Silva – Arpad Szenes ou o Castelo Surrealista.
Correspondências assume-se como precioso testemunho desta amizade, mas também documento de estudo desta parte mais íntima da obra dos três artistas."

21.6.08

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"Tenho por intuição que para as criaturas como eu nenhuma circunstância material pode ser propícia, nenhum caso da vida ter uma solução favorável. Se já por outras razões me afasto da vida, esta contribui também para que eu me afaste. Aquelas somas de factos que, para os homens vulgares, inevitabilizariam o êxito, têm, quando me dizem respeito, um outro resultado qualquer, inesperado e adverso.
Nasce-me, às vezes, desta constatação, uma impressão dolorosa de inimizade divina. Parece-me que só por um ajeitar consciente dos factos, de modo a que me sejam maléficos, a série de desastres, que define a minha vida, me poderia ter acontecido.
Resulta de tudo isto para o meu esforço que eu não intento nunca demasiadamente. A sorte, se quiser, que venha ter comigo. Sei de sobra que o meu maior esforço não logra o conseguimento que noutros teria. Por isso me abandono à sorte, sem esperar nada dela. Para quê?
O meu estoicismo é uma necessidade orgânica. Preciso de me couraçar contra a vida. Como todo o estoicismo não passa de um epicurismo severo, desejo, quanto possível, fazer que a minha desgraça me divirta. Não sei até que ponto o consigo. Não sei até que ponto qualquer coisa se pode conseguir…
Onde um outro venceria, não pelo seu esforço, mas por uma inevitabilidade das coisas, eu nem por essa inevitabilidade, nem por esse esforço, venço ou venceria.
Nasci talvez, espiritualmente, num dia curto de inverno. Chegou cedo a noite ao meu ser. Só em frustração e abandono posso realizar a minha vida.
No fundo, nada disso é estóico. É só nas palavras que há a nobreza do meu sofrimento. Queixo-me, como uma criada doente. Ralo-me como uma dona de casa. A minha vida é inteiramente fútil e inteiramente triste."
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[Bernardo Soares, in Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 1998]

15.6.08

A Feira do Livro por Francisco José Viegas

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"Gosto da Feira do Livro com as barraquinhas. Gosto de ir lá à tarde e de encontrar amigos, gente que não vejo há muito tempo, trocar «notícias» por «notícias». Gosto de ir às barraquinhas de livros velhos, stocks, obras completas de Mao, Escritos Escolhidos de Lenine, A Cozinheira Ideal ou os John Le Carré em hardcover. Gosto de comprar Rex Stouts repetidos. Não gosto de novidades na Feira; prefiro livros de há anos, são esses os que procuro, os que perdi e que quero repor na estante. Gosto de comprar livros por 1€, 3€, 5€. Gosto de encontrar amigos a dar autógrafos e de ir para as filas pedir-lhos. Gosto de churros com chocolate (este ano estão a 2€, o que é um assalto). Gosto das cores das barraquinhas. Gosto dos grupos que se sentam ao sol, na relva do Parque. Gosto de encontrar editores que vão sempre à Feira. Gosto de gente que atravessa a Feira assinalando títulos nos catálogos. Gosto da Feira com ar saudável e relativamente anárquico, com cadeirinhas na calçada onde autores se sentam perto de quem passa, com ar desprotegido (por isso é que se reconhece um editor; é ele que está lá, ao lado, a fazer companhia). Gosto de ir à Assírio & Alvim perguntar se tem o Equador. Gosto da Feira com sol, gosto quando chove. Gosto quando o MJM me telefona a dizer que encontrou um livro meu com uma fotografia que nem vista se acredita. Gosto das sacolas pretas da Tinta-da-China e de ficar por ali. Gosto das cores da Oficina do Livro. Gosto de ir à Guimarães Editores, à Relógio d'Água ou às bancas da Vampiro. Sinto-me um provinciano feliz que está onde quis ir. À Feira."
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[Francisco José Viegas em post n'A Origem das Espécies]

12.6.08

Oportunidades na feira (5)

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Entrevistas, de André Breton (tradução e prefácio de Ernesto Sampaio) da Salamandra, a 2 euros no PAvilhão 76
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Retratos Falados, de Fernando Assis Pacheco e O Segredo de Joe Gold, de Joseph Mitchell, ambos a 5 euros na zona de promoções da Leya.
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Os Vagabundos do Dharma, de Jack Kerouac, a 7,5 euros na Relógio D'Água

11.6.08

Lisboa e os carros

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"em tempo de crise do preço dos combustíveis e de aquecimento global, há que acarinhar o transporte público"
[...]
"Para muita gente, sobretudo da burguesia urbana, o autocarro é um desconhecido porque é um tabu. Como se ao colocar o primeiro pé na coisa se perdesse estatuto social na hora."
[...]
"o nosso “modelo de desenvolvimento” (gasp! cóf, cóf!) privilegiou o carro e a gasolina. Hoje muita gente não pode prescindir do carro, é certo. Mas será mesmo assim? E quem tem estações de comboio praticamente à porta? E quem, vivendo em Lisboa, se desloca de qualquer modo de carro? Não desprezo a existência de necessidade automóvel para muita gente, mas desprezo e desconfio de duas coisas: desprezo a discussão constante sobre “o trânsito” como um problema quase da ordem da natureza e cuja resolução é transformada em prioridade política para que haja trânsito e não para que haja substituição pelo transporte público; e desconfio que a razão última do amor ao carro seja mesmo estatutária e simbólica, sobretudo para as gerações do deslumbramento, do “modelo de desenvolvimento” terceiro-mundista dos últimos 30 anos. O carro - e a autonomia que ele dá (dá mesmo?) - é o símbolo da superação da pobreza.
Não é por acaso que Lisboa é a cidade europeia onde mais se sente a presença dos carros: nas ruas, nos passeios, no ruído, na poluição. Não é por acaso que por cá a publicidade está saturada de automóveis, as conversas sobre automóveis abundam e as pessoas medem-se mutuamente pelos carros. Pela parte que me toca tenho um chaço velho e sujo, parado a maior parte do tempo e faz-me uma impressão horrível imaginar pagar milhares de euros por um objecto que desvaloriza no minuto seguinte. Não fossem os nossos governantes muito provavelmente auto-deslumbrados também eles, e poderíamos ter uma revolução cultural, inspirada “no estrangeiro” (outro deslumbramento, mas com certeza com bons resultados e por boa causa), onde a palermice do auto-status foi já substituída pela auto-nomia dos cidadãos que andam a pé, flanam, param nas montras, saltam para o autocarro e descem ao metro, meditando cidade fora."

[Miguel Vale de Almeida em post n' Os Tempos que Correm]

10.6.08

A raça de Cavaco

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“Hoje eu tenho que sublinhar, acima de tudo, a raça, o dia da raça, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”
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[António de Oliveira Salazar, perdão, Anibal Cavaco Silva, em declarações prestadas ontem a jornalistas]

8.6.08

Inacreditável

.(fotos do Khiasma)

Custa a acreditar que uma praça da cidade de Lisboa (a das Flores) possa ser vedada aos cidadãos durante 3 semanas para ser utilizada numa acção de marketing de uma marca de automóveis. Por muitas dificuldades financeiras que a Câmara possa ter não são admissíveis coisas destas e não esperava que Sá Fernandes concordasse com elas.

6.6.08

Oportunidades na feira (4)

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As Mãos na Água, a Cabeça no Mar, de Mário Cesariny, a 7,50 euros na Assírio & Alvim
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Ficções do Interlúdio, de Fernando Pessoa, a 7,50 euros na Assírio & Alvim

3.6.08

Manuel Hermínio Monteiro

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Faz hoje 7 anos que morreu Manuel Hermínio Monteiro, um dos grandes editores de sempre em Portugal. Faz muita falta.

Leya na blogosfera

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"dois terços do espaço são ocupados por um kindergarten, o staff das marcas anda fardado, há uma caixa central e não, não há fundos editoriais. Pois é. Editoras com fundos imemoriais, como a Asa, a Dom Quixote, a Caminho, etc., reduzidas às novidades dos últimos 15 dias. As míticas barracas em novo formato são uma espécie de contentores onde se entra. O pior é que, em tendo 4 pessoas lá dentro, já ninguém vê nada. Portanto, em vez da batalha campal, a concorrência devia estar agradecida. Dali não vem (não pode vir) prejuízo. Muito mais eficaz e concorrida é a tenda dos pequenos editores."
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[Eduardo Pitta no Da Literatura]
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"a dita praça não impressionou de todo: os caixotes ainda por abrir foram apenas um pormenor sem importância; já o facto de olhar para os pavilhões, maiores do que os outros - mesmo sem fita métrica, é óbvio - e não só não distinguir umas editoras de outras como ainda por cima ficar com a ideia de que há poucos livros, pareceu estranho. Pensar que há ali editoras com catálogos extensos e de referência e só conseguir vislumbrar capas expostas e pouco mais causa estranheza."
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[Sara Figueiredo Costa no Cadeirão Voltaire]
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"A Leya representa algumas das editoras portuguesas com melhores catálogos (caso da D. Quixote e da Caminho). Por isso mesmo, anteriormente estas editoras tinham um merecido lugar de destaque na Feira do Livro, ocupando várias das tais “barracas” que são “todas iguais”. Mas não: uma barraquita para a Caminho, duas para a D. Quixote, semivazias, apenas com as principais novidades. Das três ou quatro barracas que cada uma destas editoras costumava ocupar, a atafulharem com todo o seu catálogo, nem sinal. É para isso que eu e, creio, a maioria das pessoas vão a Feiras do Livro: as “novidades” encontram-se em qualquer livraria. Tanto barulho causado pela Leya e, afinal, o resultado é ir à Feira do Livro e não encontrar a Caminho e nem a D. Quixote. Se era esse o objectivo da Leya (desconfio que sim), poderiam ter dito logo, e escusavam de ter vindo com os estafados argumentos do “direito à diferença” e da “liberdade” contra o “igualitarismo” do modelo tradicional. Os “liberais” da Leya, sob o argumento hipócrita da “liberdade individual” de cada editora ter o espaço que quiser, não estão nada interessados na Feira do Livro."
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[Filipe Moura no Cinco Dias]

1.6.08

Os livros de Torcato Sepúlveda

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Camilo Castelo Branco “A Queda dum Anjo”
Eça de Queirós “Os Maias”
Almada Negreiros “Manifesto Anti-Dantas”
Alexandre O’Neill “Um Adeus Português”
Mário Cesariny “Obra Completa”
Herberto Hélder “Obra Completa”
Nuno Bragança “A Noite e o Riso”
André Breton “Nadja”
Karl Marx “18 de Brumário de Luís Bonaparte”
Guy Debord “A Sociedade do Espectáculo”

“Os dez livros escolhidos são os que mais me influenciaram na adolescência e no início da idade adulta e me continuam a impressionar. Revisitando o passado, noto um extraordinário salto entre os clássicos portugueses do século XIX e o surrealismo, apenas mediado pelo Manifesto Anti-Dantas. Autores portugueses como Pessoa, Nemésio, Agustina e Carlos de Oliveira chegarão mais tarde; e estrangeiros, como Joyce e Musil. A crítica social lá está, representada por Marx e pelo situacionista Debord. Bakunine só depois ganhará o seu lugar. Li muito os clássicos russos, mas não posso dizer que me tenham duradouramente comovido.”

[Ler nº 23, Verão de 1993]