7.9.09

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A minha Preguiça
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… Seja o que oxalá quiser.
Da última vez que esbocei parir umas palavritas sobre a preguiça – não o geral da preguiça mas o particular da minha – foi-se-me o instante de graça, risquei, amachuquei o papel, arremessei-o, fumisquei cigarro, levantei-me, saí à rua, virei à esquerda e depois outra vez à esquerda, segui em frente e às tantas cá estava eu num banco do Alto de Santa Catarina a contemplar os barcos no Tejo singrando com tempo e sem pressa rumo ao cherne da Ode Marítima. Fica para depois. E se depois vazio no besunto, ou lá onde seja, também não há morte de homem. Esta vida são dois dias e este já ninguém mo tira. Deixo pois para amanhã o que não me apetece, ou não posso, ou desisto fazer hoje. E se amanhã continuar a não me apetecer, não bater o oxalá à porta para entrar, paciência. Não me forço a formiguinha ladina – até vai contra os meus princípios, se é que os tenho assim, tão exclusivos. É quase de letargia o meu estado natural, este pulsar do sangue como o fluxo das águas do Tejo. São pausadas, beatíficas, voluptuosas as minhas preguiças. O tempo fica meu amigo. Então não o pressiono, ele não me pressiona, damo-nos como deus com os anjos.
Se há coisa que aprendi (sem esforço – será preciso dizê-lo?) nas minhas deambulações africanas, foi justamente o modo como me relacionar com o tempo. Tive primeiro que descobri-lo – cá pelas exauridas, decadentes europas, a noção de tempo é pautada pelo ditame “time is money”, ou seja, pela neurótica imposição do económico –, depois, pouco a pouco, vi-me a desacelerar até que me encontrei sintonizado com o seu esplêndido fluir, eu dentro dele, ele dentro de mim, ali, naquele espaço que apeteceria chamar de “coração do mundo”, ancho, generoso, pulquérrimo, não fora a incomensurável ganância dos predadores humanos. De tudo o que por lá vivenciei, não recordo um único momento de frenesi ditado pelo relógio. Por mais de uma vez, e sem literaturas a baralhar-me o espírito, deparei com a morte a olhar para mim, face a face – e achei natural que tivesse chegado o tempo de desocupar o espaço do meu corpo e dissolver-me no tempo já não meu. Aprende-se muito com momentos assim.
Regressado ao berço, fechado o ciclo, permaneço resguardado das pressas – até daquelas em que, ai de mim!, por vezes me vejo envolvido.
Como na conhecida anedota, até gostarei de trabalhar – mas domino-me. Ele há preguiças bem mais criativas que a língua de fora do trabalho atlético.
Quanto tempo demorei a esgalhar isto? – Sorte a minha, nem dei por ele. Sou mesmo um preguiçoso a tempo inteiro, Uau!
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[Vítor Silva Tavares, in P.R.E.C. (Pensa, Rosna, Estica, Corta) nº1, 2006]

1 comentário:

fallorca disse...

Já cá canta nos favoritos. Mande o link para repostar no da casa. Obg