29.1.10

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“O meu emprego é intolerável porque contradiz o meu único desejo e a minha única vocação que é a literatura. Como eu nada sou senão literatura, que não posso nem quero ser outra coisa, o meu emprego nunca poderá ser causa de exaltação, mas poderá, pelo contrário, desequilibrar-me completamente. Aliás, não estou muito longe disso.”
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[Franz Kafka, carta endereçada ao pai de Felice Bauer, in O Processo, Assírio & Alvim, 2006]

27.1.10

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"Uma doce alegria percorre-me o corpo, ainda antes dos meus lábios se unirem para pronunciar a palavra sul, como um beijo ansiado. Um sopro meridional que me anima e antecipa a palavra mágica, que me aquece o olhar e habita o olfato de uma inexplicável doçura, como se dispensasse a necessidade de a pronunciar.
O Sul continua a ser uma transgressão, que me sujeita ao sacrifício da travessia da ponte e exige o ritual da espera do ferry, para finalmente me escancarar o horizonte e entregar à volúpia dos mistérios.
Este Sul, que eu amo e de que sinto uma necessidade tão prosaica como pão para a boca, só existe uma vez transposta a fronteira do rio, como ponte móvel que me une as margens interiores.
Entre uma e outra, fica a nostalgia da minha ambição apátrida, apenas vislumbrada quando as minhas costas selam os labirintos do Norte, para que o meu olhar se abandone à plenitude do Sul."
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[Jorge Fallorca, in A Cicatriz do Ar, edição do autor (feita pela frenesi), 2009]

25.1.10

A barbárie continua

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Cinema Europa, em Campo de Ourique, vai ser demolido em Fevereiro. No local vai ser construído um "edifício de luxo" com piscina.

21.1.10

Só há uma maneira de dizer as coisas, uma de cada vez

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“Fiz aqui há tempos uma coisa grave: joguei tudo por tudo, ou quase, num prefácio a uma tradução do Sade que foi apreendida no mesmo dia em que saiu. A PJ tomou conta do assunto. E este processo somado ao outro da Antologia Erótica (segundo consta, foi para o Tribunal Plenário. É uma honra para a gente, mais perigosa) e ao meu cadastro antigo deve dar, calculo, para uma estadia prisional confortável. Talvez me faça bem, talvez me desintoxique dos copos tintos. Também o livro agora editado pela Ulisseia [Crítica de Circunstância] é mais lenha para a fogueira e amanhã publico aqui um folheto para atiçar as chamas.
Alguns amigos meus acham que isto é loucura rematada; outros, acham que é admirável. E eu bem gostaria que eles em vez de terem tantas e desvairadas opiniões sobre a vida alheia, me dessem uma notita de vintes. É que, em pura franqueza, não acho uma coisa nem outra, sequer a média de ambas. A coisa é muito mais simples: faço simplesmente a minha obrigação de escriba. Anda por aí toda a gentinha a queixar-se, mas a fingir (não para de se publicar, gabarem-se uns aos outros em pandilha – que maravilha!), que
- não há liberdade de escrever
- não há editores com tomates (tenho 2, dois!)
as tipografias recusam-se para certos textos (verdade, nalgumas; mas tipografias é o que não falta). Pois quando tudo isto aparece e os temos, edições assim estão ao nosso alcance, e se um tipo vai em frente ou é maluco ou admirável. Não senhor, não é. Apenas lógico. Coerente. Outros, ainda, podem pensar que há muita maneira de se dizer a mesma coisa, por palavras veladas ou só sugeridas. Sugestivas metáforas, gentis eufemismos. Estão enganados ou são muito ingénuos ou cínicos e aldrabões. Só há uma maneira de dizer as coisas, uma de cada vez.”
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[Luiz Pacheco, carta a Aires Pereira, 07/04/1966, in 1 Homem Dividido vale por 2/Contraponto, D. Quixote/BN, 2009]

19.1.10

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[Cruzeiro Seixas, sem título, 1972]

18.1.10

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Queixas de um utente
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Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
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Já não me lembro se o médico
me disse ser esta a receita indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.
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[José Miguel Silva, in Poetas Sem Qualidades (org. Manuel de Freitas), Averno, 2002]

12.1.10

A caminho da demolição

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Estes três prédios da autoria do Arquitecto Ventura Terra (1866-1919), no cruzamento entre a Av. da República e a Av. Elias Garcia, estão a caminho da demolição integral de interiores e fachadas posteriores. Toda a história aqui e aqui. Mais um passo a caminho da total destruição desta zona da cidade...

7.1.10

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rebelião

a – uma delegação de cidadãos composta de cinco membros descerá de dois táxis palhinha e atravessará o rossio em estado de nudez.
após a prisão grandes manifestações de regozijo podendo haver lapidações em série.

b – professor catedrático, preferência escritor, é empurrado nu para dentro de um eléctrico. alucução à província. dispersão.

c – choque de um aeróstato monstro com os dois elevadores de santa justa previamente dispostos na passerelle. uma senhora jovem. dispersão.

d – duas delegações de cidadãos no total de dez membros descerão de dois táxis palhinha para atravessar o rossio em estado de nudez. após a prisão abertura de um parque de rebolagem. mais lapidações.

e – às cinco da manhã: ruptura de todas as negociações e preparação automática de novos cortejos.

[Mário Cesariny, in Primavera Autónoma das Estradas, Assírio & Alvim, 1980]

6.1.10

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uma farsa maldosa

Houve em tempos um senhor muito rico que se aborrecia enormemente. Desta sorte, para dissipar o tédio utilizava os seus contemporâneos num sem número de farsas, todas elas do pior gosto, esclareçamos desde já.
Certa manhã, chegando àquela praça pública onde por hábito se reúnem os pedreiros que procuram um emprego, ei-lo que faz uma proposta a dois deles com ar de serem um tanto estúpidos:
- Querem ganhar hoje vinte francos cada um?
- Nem se pergunta, senhor!
- Oiçam então! Trata-se de uma parede a construir já e com a maior rapidez, de forma a que fique logo seca e seja indestrutível, mal vocês acabem de levantá-la.
Os dois pedreiros vão arranjar tudo o que é preciso: pedra de alvenaria e um certo cimento que eles muito bem conhecem.
O senhor rico fá-los subir para um carro e leva-os a um edifício muito, muito afastado, à distância de um tiro da casa do Diabo mais velho.
Manda-os entrar para uma pequena sala iluminada por duas janelas em ogiva, muito estreitas e robustamente gradeadas, que filtravam a claridade de um velho pátio (um poço, melhor diríamos) que mais lembrava um congresso das ervas daninhas de todas as floras.
Diz um dos pedreiros:
«Isto por aqui tem um mau focinho!»
Entretanto, o senhor rico dá instruções sobre o trabalho: uma porta que tem de ser fechada com uma parede. Um luís logo de entrada, outro depois da tarefa concluída.
A noite começava a descer no instante preciso em que a última pedra era assente.
Os pedreiros enxugavam com a manga o suor da fronte, na satisfação daquele trabalhinho tão bem feito.
A sua face foi no entanto invadida por uma palidez súbita. A porta… aquela porta que eles tinham fechado com tanta consciência (ou inconsciência), a porta… era a única saída da sala!
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Embora já tenha decorrido um bom par de anos sobre esta aventura, o tal senhor rico não consegue passar à frente da parede sem rir a bandeiras despregadas.
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[Alphonse Allais, in Antologia do Conto Abominável (selecção e tradução de Aníbal Fernandes, prefácio de Vítor Silva Tavares) Afrodite, 1969]

4.1.10

Ciclo de filmes na Casa da Achada

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A partir de hoje e até 28 de Março, o Centro Mário Dionísio, na Mouraria, vai passar um conjunto de excelentes filmes (Godard, Tati, Eisenstein, Antonioni, etc.) de alguma forma relacionados com a obra de Mário Dionísio. Será sempre às segundas-feiras, às 21.30.
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O primeiro é Silvestre (1982), de João César Monteiro.