26.2.08

Novembro

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Depois de nos apresentar a belíssima colectânea Lisboa, a Lisboa Records lança agora À Deriva, o disco de estreia dos Novembro, projecto de Miguel Filipe que tinha já uma música na colectânea.
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A música dos Novembro é uma pop que mistura sonoridades urbano-depressivas com um toque de fado, resultando num conjunto de temas muito interessantes e originais.
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É um caminho para a música portuguesa que me parece ter pernas para andar.
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Aqui fica o vídeo de Solidão a Dois:
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25.2.08

A Sarjeta

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“É sempre assim. Calor e seca trazem falta de água, perda agrícola, incêndios de floresta e morte de animais. Por vezes, doenças. Chuva traz inundações, perda de casas e bens, pobreza, destruição de estradas e comércios. E ameaças para a saúde pública. Sem falar nas avarias de telefones e de água canalizada, nos cortes de gás, nas paragens de semáforos e nos colossais engarrafamentos de carros. Nuns e noutros casos, bombeiros, serviços de protecção e prevenção, socorros de emergência, soldados, polícias e centros de saúde desunham-se quanto podem, mas são sempre insuficientes, raramente chegam a tempo, não estão dimensionados e faltam-lhes meios e organização. Esta é a fragilidade de um país. Esta é a fraqueza de uma sociedade que se moderniza velozmente, de um modo brutal. As camadas modernas vão-se sobrepondo sobre a sociedade antiga, sem evolução ou ajustamento. Auto-estradas por cima das couves, cabos de alta tensão e antenas de telemóveis em cima dos telhados e prédios instantâneos rodeados de ribeiras e ribanceiras, de taludes e areia. Restos de obras escorrem nas enxurradas, areia e tijolo espalham-se pelas ruas e aterram nas baixas das cidades ou perto dos rios e praias. A lama natural mistura-se com os detritos de uma sociedade desorganizada e desmazelada, a que presidem autoridades sempre mais interessadas no que dá nas vistas, com enorme desprezo pelo que faz falta. Como tão bem adverte, há décadas, Ribeiro Telles, cortam-se as vias de água, tapam-se os sistemas de drenagem, desviam-se cursos, entopem-se as sarjetas e os esgotos e não se cuida do espaço público. Nem sequer se aprende com os desastres anteriores. Aposta-se no futuro e sai Casino, estádio de futebol ou Exposição. Choque tecnológico ou plataforma. Resort de luxo ou TGV. Mas a sarjeta, senhores, a sarjeta! Essa fica esquecida. Sem falar na drenagem, no abastecimento de água, nas linhas de telefone, nos esgotos ou na organização dos serviços de emergência.”
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[António Barreto no Público de ontem]

(foto roubada aqui)

22.2.08

Edições Nelson de Matos

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Em tempo de grandes grupos editoriais, em que a figura do editor é substituída pelo gestor, para quem o livro é um negócio como qualquer outro, é bom ver que há quem não se resigne.
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Nelson de Matos, um verdadeiro editor daqueles que gostam de livros e conhecem os escritores (e nem por isso pior gestor, pelo contrário), lançou agora uma pequena editora com o seu próprio nome. Começa em grande, com um inédito de Cardoso Pires.

21.2.08

FANTASMA
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O que vamos nós coleccionar quando também
formos velhos? Um fantasma entrou pela porta,
a avaliar pela extensão dos danos.
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Escrupuloso em questões de segurança, examina
o cartão que lhe vai pagar a conta. É este.
Algumas tentativas de humor sádico:
sem sucesso. Compra-se o tempo, aos oitenta,
trata-se da vida de outro modo, espera-se
que todos os dias sejam uma descoberta:
pára-quedas que não abrem, muros
que podem cair antes de darmos por isso.
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Diz-se que entramos neste mundo com o destino
já traçado. Bocados de um papel antigo.
Denúncias infundadas, por enquanto.
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[Vítor Nogueira, in Telhados de Vidro nº 9, Averno, 2008]

20.2.08

Telhados de Vidro

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Já saiu o número 9 da Telhados de Vidro, a revista da Averno.

15.2.08

Ler

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Depois de todas as esperanças perdidas, a Ler ressuscitou. A iniciativa é da Fundação Círculo de Leitores, voltando a revista à periodicidade mensal, que tinha perdido nos últimos anos. O seu director será Francisco José Viegas, pelo que se prevê um regresso aos bons velhos tempos da revista.
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Com os suplementos literários dos jornais cada vez mais pequenos, quase só resta o velhinho JL como publicação regular dedicada à literatura (a revista Os Meus Livros, insuportavelmente light, raramente tem alguma coisa de interesse), pelo que a chegada (ou regresso) de uma boa revista mensal é de saudar vivamente.
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O aspecto negativo da notícia é a situação da Casa Fernando Pessoa, que tinha levado uma volta de 180 graus com a chegada de Francisco José Viegas e fica agora em situação incerta. A nova directora será Inês Pedrosa, o que não augura nada de bom.

13.2.08

Ricardo Parreira (2)

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[Canto do Rio/Acção, Carlos Paredes]

Ricardo Parreira (1)

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[Variações em Lá Menor, José Nunes]

12.2.08

Música de 2007

Não tenho grande preocupação em estar atento às novidades e portanto a esmagadora maioria do que vi, li ou ouvi em 2007 não saiu em 2007 assim como muito do que me despertou interesse em 2007 hei-de ver, ler ou ouvir mais tarde.
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De qualquer forma gostava de chamar a atenção para três discos do ano que passou que, sobretudo dois deles, me parece que não foram objecto da atenção que mereciam e merecem não ficar esquecidos:
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O primeiro (e único que foi objecto de algum destaque) é este À Espera de Armandinho de Pedro Jóia. É um disco um pouco inesperado já que Pedro Jóia toca guitarra clássica e tem um percurso sobretudo ligado ao universo da música flamenca. É portanto alguém até agora totalmente exterior ao mundo do fado que resolve fazer uma homenagem àquele que é considerado o pai da guitarra portuguesa, o lendário Armandinho – Armando Augusto Freire (1891-1946) – num disco inteiramente gravado a solo. O resultado é impressionante.
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O segundo é Nas Veias de uma Guitarra – Tributo a Fernando Alvim de Ricardo Parreira e do próprio Fernando Alvim. Ricardo Parreira é um jovem e muito promissor guitarrista com apenas 20 anos que se junta aqui ao veterano Fernando Alvim, célebre violista que acompanhou, entre muitos outros, Carlos Paredes (durante 25 anos).
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Os temas escolhidos foram em parte de guitarra de Coimbra (Artur Paredes e sobretudo Carlos Paredes, com cinco temas) e outra parte de guitarra de Lisboa (Afonso Correia Leite, Armandinho e José Nunes). Foi ainda incluído um tema de Fernando Alvim.
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É um disco de grande qualidade que merece ser ouvido com atenção.
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O terceiro é a colectânea Lisboa, de que já falei aqui, um tributo musical a esta cidade, reunindo nomes muito diversos: A Naifa, Rodrigo Leão, Rui Reininho, Danças Ocultas, Rogério Samora e muitos outros.
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O disco é muito bom, sendo de destacar os três poemas de Mário Cesariny aqui presentes: Passagem a Limpo, intrepretado pel’A Naifa; Poema, dito por Rogério Samora com música de Rodrigo Leão; e You are Welcome to Elsinore, dito pelo próprio Cesariny (a mesma gravação que está no álbum Poetas) com música dos BCN.

10.2.08



[Nan Goldin, Red Sky From My Window, NYC, 2000]

8.2.08

O Crocodilo que Voa

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Saiu finalmente o tão aguardado O Crocodilo que Voa, livro em que João Pedro George reune entrevistas dadas por Luiz Pacheco de 1992 para cá, três das quais eu já deixei aqui no blog: a da Kapa (1992), a do JL (a Rodrigues da Silva, em 2005) e a última, do Sol.
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A edição é da Tinta da China, que no seu site até permite dar uma espreitadela no interior do livro.
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No Público de hoje, Pedro Mexia faz a sua crítica:
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A LÍNGUA SOLTA
Confissões e provocações numa antologia de entrevistas a Luiz Pacheco
(Três estrelas e meia)
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Luiz Pacheco (1925-2008) explicou assim a má fama que o perseguia: "É para desvalorizarem o meu critério. Para que se diga: aquele gajo diz mal de tudo, não tem discernimento, é um invejoso. Assim, quando eu digo mal deles já ninguém liga. Quando afinal os outros gajos dizem a mesma coisa que eu, só que não têm lata de o escrever. Parece que se esquecem de que eu editei o Cesariny, o Herberto Helder, a Natália Correia, o Vergílio Ferreira. Aí não estava a dizer mal deles" (pág. 156). Infelizmente, o mais comum é que as pessoas esqueçam a "Comunidade", "O Libertino" e "O Teodolito", esqueçam que Pacheco editou o "Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano" ou "O Amor em Visita". Mas ninguém esquece aquilo a que ele mesmo chamou "o folclore".
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A mitologia pachecal foi alimentada pelas entrevistas truculentas e desbocadas, frequentes na última década e meia. A moda começou na "Kapa" de Julho de 1992 e terminou no semanário "Sol" de 12 de Janeiro de 2008, uma semana depois da morte do escritor. A antologia "O Crocodilo que Voa" tem como balizas esses dois textos. Conscienciosamente editado por João Pedro George, o volume inclui um prefácio perspicaz e muitos dados bio-bibliográficos [há dois ou três lapsos, um deles grave: "a fase sangrenta" é na verdade o livro de Vergílio Ferreira "A Face Sangrenta"].
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Luiz Pacheco confessou várias vezes que não tinha imaginação, e que muitos dos seus textos mais conseguidos são autobiográficos. As entrevistas vivem essencialmente dessa componente memorialística. Temos o Pacheco literato, mergulhado nos clássicos na biblioteca do liceu, aluno de 18 com Nemésio, conspirando no Café Gelo, cansado do neo-realismo, editando autores catitas na Contraponto, escrevendo artigalhadas para jornais, mandando os seus livros à cobrança, reeditando textos para ganhar algum. Temos o Pacheco que lembra o avô capitão-de-mar-e-guerra, que regressa ao bairro onde nasceu e não reconhece quase nada, que enumera as suas muitas casas e os seus muitos filhos. Temos o Pacheco preso no Limoeiro por estupro, internado no Júlio de Matos por causa da demência alcoólica, o Pacheco que conta maluquices de cama e que assiste à Revolução de pijama. Temos o Pacheco dos quartos alugados e dos lares tristes, verdadeira "parada de monstros", o Pacheco das calças curtas, com asma, sem dentes, quase cego, dependente de remédios, afogado em fãs mas numa grande solidão, vendo novelas e folheando álbuns de nus "para me lembrar como é um corpo de mulher".
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Acontece que as entrevistas geraram um sistema autónomo, criando uma personagem que já não dependia dos textos. O próprio escritor se queixou de que alguns entrevistadores não conheciam os livros que ele tinha escrito e apenas liam entrevistas anteriores. Assim se perpetuou um circo com resultados garantidos. Os jornalistas procuravam Pacheco porque esperavam confissões picantes: "eu não fodo desde 1975". Anedotas: "só entrei para o partido [comunista] quando me apareceu uma hérnia". Ou asneirame, como a "mensagem para as novas gerações" que é um singelo: "puta que os pariu". Esperavam sobretudo aqueles ataques sem paninhos quentes que apenas se admitem a um excêntrico. Como refere George, em muitos casos percebe-se que os entrevistadores querem fazer ajustes de contas com palavras alheias, e Pacheco está quase sempre disposto a esse jogo. Quem procura este livro para umas risadas e umas descargas de bílis, tem satisfação garantida. Namora era "abaixo de cão", Cardoso Pires um "aldrabão", Torga "um chato do caneco", e assim por diante Urbano, Eugénio, Dacosta e os novos, às vezes com uso copioso de vernáculo. Pacheco também é capaz de elogios (Cesariny e Saramago, Hélia Correia e, para espanto de muitos, Pedro Paixão), mas não é isso que interessa às gentes. Baptista-Bastos, numa entrevista de 1994, pede sem rodeios: "Nomeia cinco prosadores que detestes".
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A maledicência é no entanto menos interessante que a lucidez. Além das muitas críticas individualizadas (algumas impagáveis), Pacheco tinha uma noção de conjunto essencial: o "meio literário". Ao seu discípulo sociólogo, explica: "Eu não te vou ensinar, eu ensino-te é a combater o meio... Ó pá, um tipo que quer fazer carreira, se não for parvo de todo e for um bocadinho filho da puta... é facílimo... O meio literário é de cortar à faca, é muito fácil de penetrar (...) Agora combater o meio, isso é que é difícil, é o mais difícil. A questão é esta, estúpidos, conformistas, cobardes, é a maioria da malta... (pág. 222). Mais que os compadrios e cunhas, que tanto obcecam George, o que conta aqui é o reflexo do "meio" nos livros em concreto. Em grande medida, a crítica literária de Pacheco vive da denúncia das fórmulas: a grafomania da "literatura por avença", a "literatura de casino" feita para os prémios e o "romance internacional" como género único de quem quer traduções.
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Estas entrevistas a Luiz Pacheco valem, cito J.P. George: " (...) pela agilidade mental ou pelo implacável sentido da lógica, pela sinceridade desarmante ou pelo desapego de quem não quer ser correcto ou bem-comportado; (...) pelas intervenções cómicas, o humor negro, o absurdo, o sarcasmo, a picardia, o cepticismo de quem viu e viveu muito (...) (pág. 11). Como é inevitável, há aqui bastantes repetições, cansativas numa leitura seguida, mas também surpreendentes desmontagens das categorias de "maldito" e "libertino" (ambas próprias de outras épocas e outros costumes) e uma ausência de auto-complacência que leva o escritor a reconhecer que a sua Obra se reduz a uns "textos soltos". Que no entanto contam muito mais que o espectáculo (reconhecidamente divertido) da língua solta.