"Ainda por cima, na maior parte das noitadas, não se pode conversar porque há tanta música... Há música a mais. É uma coisa que me inquieta na sociedade contemporânea." [...] "Há música nas lojas, nos táxis, por todo o lado! Chego a casa e não consigo ouvir música, mesmo quando quero" [...] "Quero silêncio. Portanto, em casa, deixei de ouvir música. Só oiço a música que os outros querem que eu oiça, o que acho irritante."
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[Jorge Silva Melo em entrevista ao jornal i, 08-05-2010]
30.6.10
24.6.10
& etc por Paulo da Costa Domingos
Texto lido por Paulo da Costa Domingos na apresentação do DVD com o documentário & etc, de Cláudia Clemente, na FNAC Chiado, na passada terça-feira:
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Paulo da Costa Domingos é o meu nome, e os melhores anos da minha juventude, como desertor de uma sociedade que me é antipática, foram vividos, unha com carne, no companheirismo e no universo poético do Vitor Silva Tavares, editor de livros na sua & etc, mas também mentor de uma ética cultural, e ainda, embora parco, também escritor.
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Paulo da Costa Domingos é o meu nome, e os melhores anos da minha juventude, como desertor de uma sociedade que me é antipática, foram vividos, unha com carne, no companheirismo e no universo poético do Vitor Silva Tavares, editor de livros na sua & etc, mas também mentor de uma ética cultural, e ainda, embora parco, também escritor.
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Agradeço à Cláudia Clemente por, ao ter dado pela nossa existência, isso tê-la interessado a ponto de levar a nossa acção poética para dentro da sua obra cinematográfica.
Agradeço ao editor do filme este formato-dvd, confortável na medida em que cada um de nós pode agora levá-lo consigo para casa para vê-lo e revê-lo.Agradeço ainda à FNAC-Chiado a abertura da sua sala de convívio aos admiradores da nossa razão de resistência (por certo, militantes). (Digo militantes, porque, no que toca a & etc, somente militantes de um gosto invulgar poderão tê-la debaixo de olho há já tantos anos.)
Bom, e hoje não estou aqui para fazer mal a ninguém; estou aqui para apresentar a impressão digital do meu companheiro de aventura Vitor Silva Tavares. O mesmo irredutível Vitor Silva Tavares que, desde 1973, veio apresentando-me à fina-flor da comunidade intelectual portuguesa... (não estou a falar daqueles animadores do acordo artístico para serviçais do bom-senso; refiro-me às mulheres e aos homens muito especiais que marcaram como ferro em brasa esta nossa época desleixada e de aborto de uma Revolução prometida, mulheres e homens de cultura que tocaram o coração de leitores avessos, exactamente, ao bom-senso.
Bom, e hoje não estou aqui para fazer mal a ninguém; estou aqui para apresentar a impressão digital do meu companheiro de aventura Vitor Silva Tavares. O mesmo irredutível Vitor Silva Tavares que, desde 1973, veio apresentando-me à fina-flor da comunidade intelectual portuguesa... (não estou a falar daqueles animadores do acordo artístico para serviçais do bom-senso; refiro-me às mulheres e aos homens muito especiais que marcaram como ferro em brasa esta nossa época desleixada e de aborto de uma Revolução prometida, mulheres e homens de cultura que tocaram o coração de leitores avessos, exactamente, ao bom-senso.
Nomes: alguns nomes incontornáveis, e apenas de amigos mortos, porque esses – garantidamente! – já não podem mais asnear ou desiludir-nos: [por ordem de saída de cena] o Pedro Oom, o António José Forte, a Luiza Neto Jorge, o Fernando Ribeiro de Mello, o Virgílio Martinho, o José Cardoso Pires, o João César Monteiro, o Eduardo Guerra Carneiro, o Álvaro Lapa, o Mário Cesariny, o Manuel João Gomes, o Luiz Pacheco, o João Vieira,...)
Nada mais apropriado para apresentar esta aventura, de que também eu fui parte integrante e, reconheço, parte incómoda,... dizia eu: nada mais apropriado do que ler-vos – como se o tivesse escrito, de fresco, há dois minutos – o meu texto «Amarga Disposição», com o qual participei na celebração das duas décadas de existência da & etc (& etc hoje com 37 anos «de morte para amanhã»):
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Foi ontem, há 20 anos, quando aqui cheguei. A um cubículo exíguo na Rua da Mãe d’Água 13-2.º dt.º, que servia de redacção ao quinzenário & etc, e foi para vir a integrar uma escassa equipa de jogadores permanentes então assistidos por inúmeros colaboradores externos. Lista de personagens quase do meu total desconhecimento, que, até à reviravolta dos humores em Abril de 1974, nunca parou de crescer, cumprindo as honras da linguagem da casa e as tarefas rebeldes de uma resistência bem disposta. Alguns deles – entre artistas plásticos, tradutores e os mais – devemos reconhecê-los como nucleares. As suas participações consigo levam o nome.
Nessa altura, poeta designava notavelmente inconfundíveis princípios de vida, sentido próprio contra ventos e marés. Hoje, como é sabido, a estética e os graus académicos ocuparam todos os terrenos baldios, não sobra nesga onde plantar uma couve portuguesa. Lugar às (ditas) “novas” “sensibilidades”!
Há duas décadas, portanto, a identificação dos inimigos do homem-de-rosto-descoberto-e-corpo-inteiro era tão fácil que ninguém, deste lado, declinava o oportuno instante, que se lhe aprazasse, para molhar na sopa. [...]Às vontades que fizeram a revista & etc, entre Janeiro de 1973 e Outubro de 1974, substituiu-se um leque de livros de autor algo estranhos, por comparação com a literatura de salamaleques e cócegas a prémio.
Sendo nós, hoje, cada vez menos, e cada vez mais amarga a disposição, o ideal não esmoreceu: sabotar o gozo de mandões e poderosos, instilar algum fel no reino da estupidez. As maçãs da sabedoria e da revolta colhem-se do chão. Ou mesmo do subsolo. Na Rua da Emenda – actual morada poética somente dos aventureiros que ainda acompanham o Vitor Silva Tavares – desce-se até ao subterrâneo 3 por uma rampa que sobe, e vice-versa.
Eu ligo sempre a & etc ao Vitor Silva Tavares, não por qualquer estigma personalista que pudesse assombrar a editora, mas porque – no sentido culto e cultural de que o Vitor é herdeiro, mestre e transmissor de mensagem – um editor é aquele que faz imprimir a sua marca pessoal, a sua impressão digital, sobre tudo quanto toca. É por isso que, ainda recentemente, à beira da publicação de um livro meu no catálogo da & etc, acatei com júbilo o parecer de primeiro leitor – e leitor também com a autoridade de escritor – que o Vitor sempre foi de todas as obras por ele publicadas.
Eu ligo sempre a & etc ao Vitor Silva Tavares, não por qualquer estigma personalista que pudesse assombrar a editora, mas porque – no sentido culto e cultural de que o Vitor é herdeiro, mestre e transmissor de mensagem – um editor é aquele que faz imprimir a sua marca pessoal, a sua impressão digital, sobre tudo quanto toca. É por isso que, ainda recentemente, à beira da publicação de um livro meu no catálogo da & etc, acatei com júbilo o parecer de primeiro leitor – e leitor também com a autoridade de escritor – que o Vitor sempre foi de todas as obras por ele publicadas.
Trata-se de uma regra que, por mim, faz escola. É de facto regra que eu próprio defendo e promovo, enquanto também editor autónomo de livros... numa terra onde estes industriais do livro, que há agora, nem lêem aquilo que publicam nem jamais entraram dentro de uma tipografia para proceder ao acompanhamento final daquilo que atiram para o mercado, em golfadas de vómito de novidades.
O filme, que agora poderão com tempo visionar, dá, muito acertadamente, a ideia de um grande rega-bofe, que é o nosso dia-a-dia. Essa partilha do gozo permanecerá inalterável até ao nosso fim!... porque fizemos dessa alteridade uma arma de guerra... Afinal, com razão lá dizia o outro: «a cantiga é uma arma».
Todavia, sempre existiu quem não fosse em cantigas, ou porque não gostasse da nossa música, ou porque fossem sisudos... A Igreja, por exemplo, é sisuda. Dos políticos não pode dizer-se o mesmo: destes só pode afirmar-se que são meramente estúpidos... Quero com isto dizer que, para desconforto do nosso natural e legítimo exercício cívico, para insulto da nossa alegria de estar a transformar o mundo e as mentalidades, ciclicamente e em doses calculadas ou o Estado ou a Igreja tentaram cobrir-nos com o seu visco censório.
Durante os anos em que a revista conseguiu existir sitiada pela ditadura do velho Estado Novo, lá íamos nós, de cada vez que era posta em marcha a feitura de mais um número, lá íamos nós, no inapelável cumprimento da lei, com resmas de papéis apaixonantemente escritos obter autorização para os imprimir! E apesar dos cortes, no geral a ignorância dos censores, ou o seu laxismo de funcionários mal-pagos, não lhes permitiam medir forças no terreno culto da mera alusão, ou da metáfora, ou de um dito sarcástico...
Curiosamente, nessa época, que eu testemunhei, já de regime fascista em estado de putrefacção, nunca enviaram sobre nós as polícias. O mesmo não veio a suceder após a tal revolução abortada. Em pleno regime apregoadamente democrático, a 7 de Julho de 1980, por movida queixa da Igreja, o Estado mandou a Polícia Judiciária apreender em sede de editor os possíveis exemplares de um folheto histórico, cujo conteúdo visara... em 1910!, repare-se, um então bispo no exercício das suas maldades. Inteligente, portanto, este assalto à história passada, quando nem o autor do texto nem o visado já tinham língua para terçarem razões.
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Quanto ao filme que agora se encontra disponível para o visionamento doméstico, tanto podem encará-lo como um testemunho da verdade como tê-lo na conta de uma ficção – posso garantir que a Cláudia Clemente soube captar o espírito. E o espírito com o qual levámos por diante as nossas vidas tem sido a nossa mais nobre ficção, que irá desaparecer no esquecimento; são as nossas obras a verdade que vai ficar.
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Quanto ao filme que agora se encontra disponível para o visionamento doméstico, tanto podem encará-lo como um testemunho da verdade como tê-lo na conta de uma ficção – posso garantir que a Cláudia Clemente soube captar o espírito. E o espírito com o qual levámos por diante as nossas vidas tem sido a nossa mais nobre ficção, que irá desaparecer no esquecimento; são as nossas obras a verdade que vai ficar.
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Paulo da Costa Domingos
23.6.10
Já à venda
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& etc, documentário de Cláudia Clemente, na Midas, o sétimo DVD da colecção "Escritores Portugueses".
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& etc, documentário de Cláudia Clemente, na Midas, o sétimo DVD da colecção "Escritores Portugueses".
22.6.10
& etc
A edição em DVD de & etc, documentário de Cláudia Clemente sobre a editora de Vítor Silva Tavares, vai ser hoje apresentada, às 19 horas, na FNAC do Chiado. A apresentação será feita por Paulo da Costa Domingos.
21.6.10
Belarmino
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Belarmino (1964), de Fernando Lopes, hoje, às 19.30, na Cinemateca.
Esta sessão inclui ainda as curtas-metragens As Pedras e o Tempo - Évora (1961) e As Palavras e os Fios (1962).
19.6.10
Trama
A Trama vai fechar portas, supostamente para abrir posteriormente noutro sítio. Esperemos que sim, a Trama é uma excelente livraria que, com a Letra Livre, a Poesia Incompleta, a Pó dos Livros e pouco mais, tem ajudado a criar uma pequena rede de livreiros independentes que constitui uma alternativa aos medonhos supermercados de livros que dominam o mercado. Hoje é a festa de encerramento do 25B da Rua São Filipe Nery.
18.6.10
17.6.10
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Mais do que o pénis grande
com que se encosta à caixa, fascina-me
a disposição dos dentes, a calma
de lamber o «piercing» logo sob o lábio.
As cervejas e o atum parecem
mantê-lo jovem, disposto a tudo
e a todas num jogo sem alma.
Já o amigo, cáustico e franzino,
nada reclama do mundo. Faz-lhe
companhia e remata sempre
por um «despacha-te, caralho!»
vagamente alentejano. O louro,
com o seu sorriso táctil, paga outra
vez a despesa. Para eles, o paraíso
e o inferno são apenas questões de «feeling».
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[Manuel de Freitas, in Isilda ou a mudez dos códigos de barras, Oficina do Cego, 2010, reedição de Isilda ou a nudez dos códigos de barras, Black Sun, 2001]
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Mais do que o pénis grande
com que se encosta à caixa, fascina-me
a disposição dos dentes, a calma
de lamber o «piercing» logo sob o lábio.
As cervejas e o atum parecem
mantê-lo jovem, disposto a tudo
e a todas num jogo sem alma.
Já o amigo, cáustico e franzino,
nada reclama do mundo. Faz-lhe
companhia e remata sempre
por um «despacha-te, caralho!»
vagamente alentejano. O louro,
com o seu sorriso táctil, paga outra
vez a despesa. Para eles, o paraíso
e o inferno são apenas questões de «feeling».
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[Manuel de Freitas, in Isilda ou a mudez dos códigos de barras, Oficina do Cego, 2010, reedição de Isilda ou a nudez dos códigos de barras, Black Sun, 2001]
14.6.10
9.6.10
Este é o Tempo dos Assassinos
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Na continuidade da Antologia do Conto Abominável (Afrodite, 1969) e O Festim da Aranha (Assírio & Alvim, 2008) chega agora, novamente na Assírio & Alvim, Este é o Tempo dos Assassinos, variações sobre o assassínio encontradas e traduzidas por Aníbal Fernandes.
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"O chamado romance policial compreende o criminoso como um perigo que o detective e o polícia querem identificar e punir. O seu culpado é transgressor da moral e da lei, e deve pagar à sociedade o preço do seu acto. É pretexto para uma história de crime e castigo. Pelo contrário, nas escolhas deste livro o assassino vai mostrar-se indiferente à moral que justifica um castigo, ou admite-a como injustiça; na maior parte das vezes limitar-se-á a percorrer a história com a insolência da sua impunidade. Não se trata de seguir Camus: Há sempre razões para o assassínio de um homem. É, pelo contrário, impossível justificar-se que ele viva. Estes direitos, defendidos pela filosofia do seu «homem revoltado», argumentariam mal os crimes de assassinos impulsionados pelas triviais emoções dos que vivem o dia-a-dia das invejas, das humilhações e das vinganças. Postos lado a lado nestas ficções, limitam-se a executar variações sobre a morte - programada, desejada e por vezes belamente imaginada - do Outro."
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[Aníbal Fernandes no prefácio]
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Histórias de:
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Na continuidade da Antologia do Conto Abominável (Afrodite, 1969) e O Festim da Aranha (Assírio & Alvim, 2008) chega agora, novamente na Assírio & Alvim, Este é o Tempo dos Assassinos, variações sobre o assassínio encontradas e traduzidas por Aníbal Fernandes.
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"O chamado romance policial compreende o criminoso como um perigo que o detective e o polícia querem identificar e punir. O seu culpado é transgressor da moral e da lei, e deve pagar à sociedade o preço do seu acto. É pretexto para uma história de crime e castigo. Pelo contrário, nas escolhas deste livro o assassino vai mostrar-se indiferente à moral que justifica um castigo, ou admite-a como injustiça; na maior parte das vezes limitar-se-á a percorrer a história com a insolência da sua impunidade. Não se trata de seguir Camus: Há sempre razões para o assassínio de um homem. É, pelo contrário, impossível justificar-se que ele viva. Estes direitos, defendidos pela filosofia do seu «homem revoltado», argumentariam mal os crimes de assassinos impulsionados pelas triviais emoções dos que vivem o dia-a-dia das invejas, das humilhações e das vinganças. Postos lado a lado nestas ficções, limitam-se a executar variações sobre a morte - programada, desejada e por vezes belamente imaginada - do Outro."
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[Aníbal Fernandes no prefácio]
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Histórias de:
- Ambrose Bierce
- Edgar Allan Poe
- Guillaume Apollinaire
- Guy de Maupassant
- Honoré de Balzac
- William Faulkner
- Witold Gombrowicz
entre outros...
8.6.10
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RÁDIO PIRATA
… há uma cidade a rebentar na humidade vertiginosa da noite e um homem com olhar de açúcar encostado ao néon melancólico das esquinas espera o próximo shoot de heroína… há uma cidade por baixo da pele e uma casa de sangue coagulado na memória atravessada por canos rotos e um corpo pingando mágoas… há uma cidade de alarmes e um tilt lancinante de flipper dentro do meu pulmão adolescente e uma dor de chuva fustigando o sexo adormecido no soalho do quarto da pensão… há uma cidade de visco e de esperma ressequido e uma pastilha elástica presa ao fundo dum copo… há um sorriso e um engate e um càmone e um arrebenta e uma boca de lodo aberta sobre o rio… há uma cidade de fome e lixo enquanto o ciúme escorrega das mãos dos amantes… há um dedo sobre lâminas usadas e um beco sem saída onde se enroscou um puto e um cão de febre… há uma cidade crescendo no grito e na gasolina no fogo nocturno da minha vertigem presa nas alturas de cimento armado onde coabitam sexos mergulhados em naftalina… há um osso branco que perfura a insónia e a madrugada e esta cidade de nojo e de fascínio… há uma navalha cortando o betão das avenidas e um pássaro de enxofre nas feridas duras dos cabelos… há uma cidade de estátuas desmanteladas contra o espelho de um bordel e a luz do teu olhar dentro de uma janela antiga… há uma cidade de trapos queimados e de vozes ardendo e uma toalha para limpar o sono dos poucos brinquedos… há uma alucinação furiosa que me incendeia a veia e revela o teu rosto lívido que se suicida… há uma cidade de papel engordurado que eu amachuco com o pânico nos dentes e todo o meu corpo sangra… treme… e tem medo… e morre…
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[Al Berto, in O Medo, Assírio & Alvim, 2005]
… há uma cidade a rebentar na humidade vertiginosa da noite e um homem com olhar de açúcar encostado ao néon melancólico das esquinas espera o próximo shoot de heroína… há uma cidade por baixo da pele e uma casa de sangue coagulado na memória atravessada por canos rotos e um corpo pingando mágoas… há uma cidade de alarmes e um tilt lancinante de flipper dentro do meu pulmão adolescente e uma dor de chuva fustigando o sexo adormecido no soalho do quarto da pensão… há uma cidade de visco e de esperma ressequido e uma pastilha elástica presa ao fundo dum copo… há um sorriso e um engate e um càmone e um arrebenta e uma boca de lodo aberta sobre o rio… há uma cidade de fome e lixo enquanto o ciúme escorrega das mãos dos amantes… há um dedo sobre lâminas usadas e um beco sem saída onde se enroscou um puto e um cão de febre… há uma cidade crescendo no grito e na gasolina no fogo nocturno da minha vertigem presa nas alturas de cimento armado onde coabitam sexos mergulhados em naftalina… há um osso branco que perfura a insónia e a madrugada e esta cidade de nojo e de fascínio… há uma navalha cortando o betão das avenidas e um pássaro de enxofre nas feridas duras dos cabelos… há uma cidade de estátuas desmanteladas contra o espelho de um bordel e a luz do teu olhar dentro de uma janela antiga… há uma cidade de trapos queimados e de vozes ardendo e uma toalha para limpar o sono dos poucos brinquedos… há uma alucinação furiosa que me incendeia a veia e revela o teu rosto lívido que se suicida… há uma cidade de papel engordurado que eu amachuco com o pânico nos dentes e todo o meu corpo sangra… treme… e tem medo… e morre…
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[Al Berto, in O Medo, Assírio & Alvim, 2005]
7.6.10
Já está nas livrarias
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A Última Porta, de Manuel de Freitas, com selecção e posfácio de José Miguel Silva, Assírio & Alvim.
2.6.10
DIÁLOGO
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- O que é o tempo?
- Um martelo de plumas.
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- O que é a vida?
- A eterna ausente.
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- O que é a família?
- Uma catástrofe. Loucura circular histérica com convulsões de penitência.
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- Quem é Deus?
- Um pobre diabo.
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- Que faz ele?
- Sobrevive sempre às suas vítimas.
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- Onde mora?
- Num tinteiro?
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- O que é Portugal?
- Uma cave cheia de mofo.
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[Ernesto Sampaio e João Rodrigues, Cadavre exquis, in Ernesto Sampaio Feriados Nacionais, Fenda, 1999]
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- O que é o tempo?
- Um martelo de plumas.
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- O que é a vida?
- A eterna ausente.
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- O que é a família?
- Uma catástrofe. Loucura circular histérica com convulsões de penitência.
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- Quem é Deus?
- Um pobre diabo.
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- Que faz ele?
- Sobrevive sempre às suas vítimas.
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- Onde mora?
- Num tinteiro?
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- O que é Portugal?
- Uma cave cheia de mofo.
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[Ernesto Sampaio e João Rodrigues, Cadavre exquis, in Ernesto Sampaio Feriados Nacionais, Fenda, 1999]
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