31.8.08

CAIXADÒCLOS
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- Patriazinha iletrada, que sabes tu de mim?
- Que és o esticalarica que se vê.
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- Público em geral, acaso o meu nome...
- Vai mas é vender banha da cobra!
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- Lisboa, meu berço, tu que me conheces...
- Este é dos que fala sozinho na rua...
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- Campdòrique, então, não dizes nada?
- Ai tão silvatávares que ele vem hoje!
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- Rua do Jasmim, anda, diz que sim!
- É o do terceiro, nunca tem dinheiro...
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- Ó Gaspar Simões, conte-lhes Você...
- Dos dois ou três nomes que o surrealismo...
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- Ah, agora sim, fazem-me justiça!
- Olha o caixadòclos todo satisfeito
a ler as notícias...
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[Alexandre O'Neill, in Feira Cabisbaixa, 1965]

30.8.08

DAQUI, DESTA LISBOA...
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Daqui, desta Lisboa compassiva
Nápoles por suíços habitada,
onde a tristeza vil e apagada
se disfarça de gente mais activa;
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daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;
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daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira de vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,
do ramudo tristôlho que se apaga;
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daqui, só paciência, amigos meus!
Peguem lá no soneto e vão com Deus...
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[Alexandre O'Neill, in De Ombro na Ombreira, 1969]

29.8.08

RUA ANDRÉ BRETON
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Deflagraste em nós na sempiterna circunstância: a pasmaceira.
E por pouco não nos chamaram de Os Franceses.
Nas pequenostes a hora era (e agora?) a dos remorsos engajados.
A imitação do isto, a gangazul, a variz da varina
- pretextos e mais pretextos para lágrima-tinta -
eram o trapo que comíamos ainda.
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A rua André Breton está sempre a mudar de rua.
Entendidos, desentendidos, como, ó rapaz, mudámos.
quando desfechaste o teu revólver de cabelos brancos
sobre cada um de nós, os comedores de trapo!
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Por uma questão de desgosto,
desde então que desavindos com a vidinha!
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[Alexandre O'Neill, in Entre a Cortina e a Vidraça, 1972]

19.8.08

Esplanadas

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Lisboa é uma cidade que tem um número de esplanadas ridículo, tendo em conta o seu potencial (bom tempo quase todo o ano, uma geografia que possibilita vistas excepcionais e inúmeras praças, miradouros, terraços e jardins mesmo à espera de as receber). Não consigo perceber porque é que um conceito como o do Pão de Canela, na Praça das Flores, não floresce por toda a cidade antiga, porque é que não há Noobais por todo o lado ou porque é que a câmara não concessiona mais quiosques em jardins e miradouros.
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Vem isto a propósito de três intervenções camarárias recentes que vão no bom sentido: em São Pedro de Alcântara já é possível beber um café ao ar livre; junto à estação do Rossio, no Largo dos Duques do Cadaval, já nasceram as prometidas esplanadas (que ainda não utilizei); e as terríveis esplanadas da Avenida da Liberdade estão finalmente a ser demolidas para dar lugar a algo (esperemos) mais apropriado ao lugar.
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Ainda há muito a fazer, mas são sinais positivos.

15.8.08

Boutiques de livros

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"As livrarias não têm hoje espaço para Borges - devolvem-no passados x meses ou ficam apenas com uma ou outra relíquia - porque têm de o ter para os livros sobre Maddie McCann ou a palpitante vida íntima de Salazar (ou as estreias na «ficção» de Bagão Félix, Nuno Rogeiro, etc.). Seria talvez altura de mudar o nome do local onde estas coisas ocorrem, e que cada vez menos está à altura dos significados que historicamente se acolheram a «livraria». Julgar-se-ia que sofás, cafés, etc., ajudariam a que as livrarias pudessem permanecer o local onde nos relacionamos com objectos que passam a mobilar a nossa vida mais íntima, mas a essa ilusão o capitalismo livreiro actual já deu bastas respostas desmitificadoras e desmistificadoras. Estamos, também aí, completamente secularizados, ao que parece. Aliás, em perfeito acordo sistémico com as alterações arquitectónicas que se apoderaram de muitos desses espaços, seria desejável, e sobretudo justo e verdadeiro, passar a chamar-lhes boutiques de livros. Ou lojas de conveniência."
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[Osvaldo Silvestre, n'Os Livros Ardem Mal]

11.8.08

Vitor Silva Tavares e Alberto Pimenta

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Em Março deste ano o Ípsilon publicou uma reportagem de Joana Gorjão Henriques sobre os editores que trabalham os livros com os escritores, como na tradição anglo-saxónica. Um dos casos apresentados foi a &etc, dando como exemplo os livros de Alberto Pimenta e as sugestões de Vitor Silva Tavares. Aqui fica:
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VITOR SILVA TAVARES DESCOBRIU O TÍTULO DO ÚLTIMO LIVRO DE ALBERTO PIMENTA
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É uma relação editor-autor que dura há 30 anos. Vitor Silva Tavares é o primeiro leitor da poesia de Alberto Pimenta. Lê e faz sugestões que o poeta “quase sempre” aceita e considera “boas”.
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Houve um “sopro” que saltou do último livro de poesia de Alberto Pimenta.
Como noutras vezes, Vitor Silva Tavares, o editor, estava a ler um poema e teve “uma certa reticência” num verso. Alberto Pimenta reparou na sua expressão. “Eu disse logo: é o sopro.”
Alberto Pimenta já tinha a noção de que era preciso outra palavra. Andou à procura, não teve tempo, não conseguia saí dali – e o facto é que Vitor Silva Tavares tropeçou nela. “Está ver o tipo de mergulho no poema e a minudência com que se faz este mergulho?”, pergunta o editor da &etc.
O sopro saiu e ficámos sem saber que palavra entrou na “Planta Rubra”, o livro. Como também não saberemos que título tinha antes deste. “Esta planta rubra aparece tantas vezes [no livro] e eu arranjei um título complicadíssimo. ‘Porquê um título tão complicado havendo uma coisa tão boa que já cá está?’, [perguntou o editor]. E eu disse logo: ‘Pois é evidente.’”
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Vitor Silva Tavares recusa a ideia de ter sido sua a ideia. Atribui-a ao texto, “que disse a autor”, por seu “intermédio”, “que o título devia ser aquele”: “Limitei-me a ser o porta-voz daquilo que já lá estava, era o texto que estava a pedir que fosse aquele o título.” Não é uma sugestão do exterior porque a sua leitura do poema “é um mergulho dentro do texto do Alberto”. “E é de dentro dele que posso ou não sugerir, aqui ou acolá, algo que me fez tropeçar nessa linha da leitura, a um tempo sensível e crítica – e em casos muito pontuais, porque regra geral existe uma enorme sintonização e cumplicidade, não apenas relativamente ao texto mas à própria feitura do livro, para que possa sair uno, do ponto de vista estético.”
São mais de 30 anos de relação editor-poeta, desde “HomoSapiens”. Sabendo que, como já dissemos, na &etc só se publicam textos de que Vitor Silva Tavares gosta – e se assim é “normalmente, não irá mexer profundamente no texto, quando muito faz sugestões”, diz Alberto Pimenta. “E não o fará a todos mas faz a mim e sou eu que lhas peço. Não tenho ninguém com quem conversar acerca das coisas que escrevo e isso faz falta. De maneira que, como escrevo sozinho numa obsessão cada vez maior e como sei que, a certa altura, já não sei bem ali como é, sempre que lhe entrego um manuscrito digo-lhe ‘Diga-me o que é que acha’. E ele diz o que é que acha e eu quase sempre aceito as sugestões e considero boas.”
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Não há ninguém, nem mesmo Vitor Silva Tavares, a quem Alberto Pimenta mostre os manuscritos – quando sente que tem interesse, reúnem-se para jantar. O livro está terminado, mas não tem o ponto final. “Nos últimos quatro, cinco livros deixei de usar pontuação, o que obriga a um ritmo muito bem marcado de verso para verso. Aí o Vitor também detecta muito bem, melhor que eu, às vezes.”
Por ser poesia, não significa que exista uma relação diferente com a sugestão, ela não tem nem maior nem menor peso para Alberto Pimenta. “Pode ser uma questão de ritmo, em encontrar subitamente um termo que, pelo número de sílabas que tem, passe de um verso para o verso seguinte.” Pequenas coisas que podem alterar a leitura, “e, no momento que que alteram a leitura, alteram o texto”. Uma vez que quando escreve poesia “escreve 20 vezes o mesmo texto”, ou seja, “o mesmo texto pode ter 20 formas”, isso significa que o poeta as aceitou em algum momento. “E porque é que não pode haver uma 21ª hipótese”, levantada pelo editor?
Esta 21ª hipótese não se trata – “é impossível” – de uma sugestão “Olhe, transforme aí o segundo capítulo”. “Não é o segundo capítulo que tem de se transformar, o que tem de se transformar são pontos ao longo do livro para que tudo conflua para um rio que corre”.
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Confirmações do que já suspeitava
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As sugestões que Pimenta incorpora, sente-as depois como suas? “Não são tão extensas, mas são aquelas confirmações daquilo que já suspeitava. Ou são novas, porque são formais. O autor tem que ter a capacidade de dizer: ‘vou acabar por aqui’. Senão é como os bolos: se coze demais queima. Se começa a mexer e mexer, torna-se outra coisa.”
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Fica-nos a dúvida: para um homem como Vitor Silva Tavares, que só publica aquilo de que gosta, como é gerir o gosto nas intervenções editoriais? “O meu gosto tem várias camadas, como a cebola. O mais íntimo dos íntimos nem revelo. Coíbo-me de intervir em questões que digam respeito a ideologias. Mas dentro das minhas várias camadas, que até podem disparar em várias direcções, procuro fazer uma simbiose – até que ponto é que cada uma das coisas que chegam à minha mão vai ao encontro de um determinado tipo de gosto que tenho. Não vou intervir porque aquilo vai chocar com o meu gosto. Aí costumo ter um ponto de partida, o que não quer dizer que seja um ponto de chegada, uma frase do Luiz Pacheco: o autor tem sempre razão. Já tenho feito intervenção nesse sentido: há certos autores que usam nas suas poesias muitos ramalhetes de flores, muita hortaliça, muitos miosótis. E eu sou um bocado avesso a tanta botânica no interior da poesia. Até por causa da própria história da poesia, o recurso à imagem que necessite de flores põe-me pele de galinha. É isto uma questão de gosto? É, mas advém da própria história, das modulações estéticas que se foram operando desde que existe poesia portuguesa.”
Que fique claro: o “sopro” que saltou do poema de Alerto Pimenta não foi uma questão de gosto. Pareceu-lhe apenas que a palavra usada era “dissonante”, “pouco significava para a compreensão mais profunda do poema”.
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[Joana Gorjão Henriques, Ípsilon (suplemento do Público) de 14/03/2008]

7.8.08

Vitor Silva Tavares

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Encontrei no Youtube uma entrevista com Vitor Silva Tavares feita para uma revista que eu desconhecia, a Ncontrast.
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A entrevista dura cerca de 40 minutos (e não está completa) e vale a pena:
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6.8.08

& etc

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Vai ser possível ver novamente &etc, o excelente documentário de Cláudia Clemente sobre a editora de Vitor Silva Tavares. Vai passar hoje na Byblos, às 19h, e a entrada é gratuita. A não perder.
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Já agora deixo aqui os links para uma entrevista que Vítor Silva Tavares deu ao Público há pouco mais de um ano e para dois posts meus sobre o magazine & etc, que antecedeu a editora e sobre a editora.

5.8.08

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[Largo do Rato, 1939]

4.8.08

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"Agora digo-te eu, Lisboa é indiscutivelmente uma cidade bela. Mais de um mês fora e morre-se de saudades. Mas esta cidade, perdido o Cais da Ribeira, vai perdendo o seu Rossio. O seu Centro. Os seus jardins. O seu «cheira-bem», levando com a maior desfaçatez os seus filhos do Passeio Público e dos cafés para as bafientas caves dos centros comerciais. É uma tristeza! E assistimos indiferentes, impotentes e revoltados à destruição da cidade. O destino de Lisboa é ser cada vez mais uma cidade internacional, menor entre as maiores, vendida que vai sendo aos estrangeiros."
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[Manuel Hermínio Monteiro, in Kapa nº 1 de Outubro de 1990]

3.8.08

O Mono do Rato (II)

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"(...) o mono vai ser instalado algures entre o Palácio Palmela, a sinagoga de Lisboa e uma série de edifícios classificados, e que tem a assinatura dos arquitectos Valsassina e Aires Mateus, reputadíssimos. O mono é um monstro, parece uma prisão, é um monobloco brutal, totalmente desadequado no Largo do Rato, com uma altura calculada pela cércea da Alexandre Herculano e não da praça, o pobre Rato.
[...]
É nestas alturas que eu tenho pena que a direita portuguesa não tenha um partido, um pensamento, uma posição conservadora, tradicional e absolutamente antiprogressista que apareça em situações destas e contrarie crimes destes e diga que os bairros antigos das cidades são para ser deixados em paz, reabilitados e mantidos longe das garras modernistas de arquitectos visionários que normalmente habitam bairros tradicionais, casas tradicionais, e jamais põe os pés como moradores e utilizadores nos monos que eles assinam. Gostam de paredes de pedra, vista para o rio, janelas de sacada e vidros com patine. Que faremos com este mono?"
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[Clara Ferreira Alves, em crónica no último Expresso]
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Entretanto parece que as reacções contra o mono começaram a ter algum efeito e talvez se consiga travá-lo. A petição no entanto continua, tendo já ultrapassado as 4000 assinaturas.

1.8.08

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O TRIUNFO DA MORTE
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Por entre tristes ramos
nos vamos, mesmo assim, encaminhando.
Há tigres e leões que se extraviam
em cidades cobertas por opróbio
e mortos são por balas nas ruelas.
Os faunos sobrevivem mendigando,
prédios progridem e devastam a raça,
monopólios acolhem multidões
envenenem ao abrigo da capa
e desviam os olhos.
Os doadores do mundo
ajoelham junto ao círio,
aos pés têm chacinas açaimadas.
Dame Hahut, em tempos anteriores,
mandou atear fogo
a míseros reunidos na igreja.
Prolongava a sua clemência
abatendo a ave da pobreza.
Os inúmeros pobres acyuais
que têm carro mas não têm casa,
se por casa tomarmos
o que mãos da terra perfizeram,
milhões de deserdados
(Santa Luzia lhes proteja os olhos)
recebem por tv princípios homicidas,
chorrilhos de palavras, aluviões, discursos,
não destroem Gomorra.
Os pobres já não são o sal da Terra
porque não há terra
recua harmonia e ardem florestas
e vão os madeireiros conhecer afinal
Palma de Maiorca e Torre de Molinos
ver já realizado o sonho combustível
em suas vidas néscias.
As Parcas reunidas revolvem os destroços,
o mar inaltera imagens da gaivota
que desconhece ao planá-lo cerce
quanto o abandonou a vívida torrente,
essencial fonte, imputrescível fronte
a trança despregando na corrida.
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[Fátima Maldonado, in A Urna no Deserto, frenesi, 1989]